Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, novembro 03, 2022

CAUSAS DO BI-LINGUISMO ENTRE OS AMBUNDU DO KWANZA-SUL

 (Constructo

Nota prévia: a expressão bilinguismo, aqui utilizada, exclui da abordagem a língua portuguesa que é hoje falada e compreendida por mais de 71% dos angolanos¹. A análise cinge-se a línguas locais de origem bantu.

Um inquérito feito por Tomé Grosso entre os povos do norte e centro do Kwanza-Sul, para aferir que língua falam, indica a existência de bilinguismo, havendo habitantes de zonas predominantemente ambundu que também falam Umbundu e, eventualmente, pequenas bolsas ovimbundu, em território de maioria ambundu, que também se comuniquem alternativamente em Kimbundu. 

Do latim bilinguis, bilíngue é um adjectivo que se utiliza em referência a quem fala duas línguas. O termo bilinguismo, aplicado ao indivíduo, significa a capacidade de expressar-se em duas línguas. Numa comunidade, é a situação em que os falantes usam duas ou mais línguas alternadamente (WEINREICH, 1953). 

Espreitando o censo de 2014, verificamos que a língua portuguesa é falada por mais de 71% (média), sendo que nas áreas rurais a percentagem média de falantes baixa para 49% (Censo 2014). Por outro lado, o Censo 2014 aponta as províncias de Luanda, Bengo, Kwanza-Sul, Kwanza-Norte e Malanje como a região de predominância ambundu, constituindo-se em 7,82% do total da população angolana (pg. 51), não afastando a existência, nesse espaço geográfico de Angola, de falantes de outros idiomas de origem bantu, com predominância aos ovimbundu. 

No seu conjunto, os ovimbundu constituem 22,96% da população angolana, sendo o Umbundu o idioma mais falado e dos povos que, pelas razões que elencaremos abaixo, mais emigraram para outras regiões, mantendo, entretanto, quase imaculada a sua cultura. 

- Por que haverá bilinguismo entre as populações do Kwanza-Sul? 
No inquérito efectuado para a sua monografia (licenciatura) que visou esclarecer a designação do idioma dos povos do norte e centro do Kwanza-Sul, Tomé Grosso identificou respostas duplas quando questionava "eye hoji lyahi wondola?" (que língua você fala), num quarteto de escolha entre ngoya, Kimbundu do KS, Kibala e Mbalundu (Grosso 2019, pg. 69). 

Seis respostas, dos 50 inquiridos, apontavam duplamente Kimbundu e Umbundu ou Kibala (variante de Kimbundu) e Umbundu, correspondendo a 12% dos respondentes, o que desperta a nossa atenção. No auge das monoculturas, início do sec. XX, os fazendeiros instalados no Kwanza-Sul, quer fossem portugueses ou alemães de origem judia, procuraram intensamente por mão-de-obra ovimbundu por, alegadamente, se mostrar mais apta ao trabalho manual e a viver acampada, o que não acontecia com os nativos locais, propensos à rebeldia e fuga, visto que, "na visão de Heimer (1980), o período colonial conjugou lógicas capitalistas e não capitalistas, conjugação através da qual se gerava o excedente da produção agrícola e se reproduzia uma mão-de-obra barata" (Quitari, 2010). 

José Capela (1978), citado por Quitari, descreve a forma «compulsória» como os povos do sul de Angola foram introduzidos na economia monetária para o pagamentos de impostos, recorrendo à venda da força de trabalho e/ou da produção agrícola aos colonos. Quer nos acampamentos, quer nas aldeias a que se juntaram ou constituíram, depois da desintegração das fazendas, esses antigos trabalhadores braçais ovimbundu conservaram sua língua, seus ritos de iniciação e festas e demais marcas de sua cultura, transmitindo-as a seus filhos e netos. 

As necessidades fisiológicas e de integração levaram-nos, por outro lado, a encetar processos integrativos, o que os levou a aprenderem o Kimbundu local. Tal processo levou a que, embora cada unidade linguística conservasse intacta a sua língua (Kimbundu para a maioria autóctone e Umbundu para as minorias emigrantes), se desenvolvesse um bilinguismo, na medida em que procuravam comunicar e compreender-se simultânea e indistintamente em cada uma das línguas. Outros processos integrativos e de fusão como os casamentos entre Ambundu e Ovimbundu, a frequência de catequeses, igrejas, escolas e instrução militar são também apontados como elementos que propiciaram o bilinguismo entre os ambundu e ovimbundu do Kwanza-Sul. 

S.K., 48 anos, natural de Mbangu de Kuteka, Libolo, entrevistado a proposito do bilinguismo entre os Ambundu do Kwanza-Sul, afirma que aprendeu Umbundu nos momentos de recreio escolar, numa altura em que, enquanto neto de um antigo detentor da categoria de assimilado² era impedido de falar Kimbundu, ao passo que os seus coetâneos e colegas Ovimbundu glosavam Umbundu nos intervalos entre aulas e durante toda a vida quotidiana longe da escola único recinto em que o professor os obrigava a falar a Língua Veicular. 

Katumbu K'Etinu, 75 anos, natural da margem libolense do rio Longa, afirma que sempre falou Kimbundu, porém, "por causa dos mbalundu da fazenda" e por, numa fase de sua vida, se ter juntado a um Ngangela que falava Umbundu aprendeu a perceber e falar Umbundu, tendo um filho que é meio Ambund e meio Ngangela/Ovimbundu. A anciã acrescenta que na última aldeia em que viveu (Pedra Escrita), que é um "ajuntamento de povos de várias origens", com destaque para os Ambundu e ouvimbundu que trabalhavam nas fazendas coloniais, "todos falam Kimbundu, Umbundu e Português", sendo a última a "língua da escola, do contacto com a administração e visitantes". 

Semelhantes estórias foram ouvidas no Hebo (Ebo) e no Kisongo (Quissongo), contadas respectivamente por Sabalu Lumbu, 60 anos, e Kambambi Mulalu, 55 anos, que vivenciaram a passagem ao Estado, por força da Lei nº 37/6 de 3 de Março (nacionalizações e confiscos) de fazendas antes detidas por colonos, a desintegração dos acampamentos de trabalhadores de origem Ovimbundu, recrutados no centro de Angola, e sua integração nas aldeias locais, próximas das antigas fazendas. Tal contexto político, histórico e sociológico, narraram, fez com que a necessidade de comunicação permanente, interação e integração das minorias propiciasse, quando possível, o surgimento do bilinguismo entre os Ambundu do Kwanza-Sul (regiões em que existiram acampamentos de trabalhadores Ovimbundu em fazendas agrícolas). 
... 
¹- Censo 2014 
²- Os assimilados eram os indivíduos que conseguiram demonstrar à administração colonial portuguesa que tinham alcançado um nível de evolução social que lhes permitia transitar de indígena para a categoria superior dos que tinham interiorizado e viviam segundo os preceitos da civilização europeia (adaptado de Nuno Domingos, 2020)

quinta-feira, setembro 01, 2022

A LÍNGUA PORTUGUESA E OS ANGOLANOS DAS GERAÇÕES X E Y

Geração X é uma expressão que se refere, segundo alguns teóricos da sociologia do trabalho, aos indivíduos nascidos entre meados da década de 1960 e início da década de 1980, ou seja, durante os anos que se seguiram ao baby boom do pós IIGM, verificado entre 1946 e 1964. Depois deles, surge a geração Y que abrange os nascidos entre os anos 80 e 90 (sec. XX), quando o mundo se tornou essencialmente tecnológico. São tidos como tendo crescido com amplo acesso à informação e ao conhecimento e foram moldados por essa realidade, tornando-se pessoas mais curiosas, inquietas e movidas por desafios. Será que em países como Angola dominam tudo?

Há muito tomei conhecimento que faço parte de uma geração que não domina língua nenhuma. Nasci ao tempo em que era Presidente da República o General Spínola (durante o governo de transição). Em Angola, os tempos eram de expurgar tudo o que havia sido "imposto" aos nativos, até as coisas de validade eterna como a Língua que se tornou primeira para muitos de gerações posteriores. Levou-se ao "caixote de lixo" a língua do "escravagista" mas não se deu ao "homem novo" instrumentos científicos para a aprendizagem de línguas que hibernaram, ficando na oralidade. Com professores que diziam ensinar numa língua que desprezavam e não dominavam, eis-nos, aqui chegados, com canudos e petulantes, sem língua nenhuma para nos orgulharmos, comunicando eficazmente nas suas diversas formas de manifestação (gráfica e oral).
Que língua domina as gerações X e Y?
Os mais velhos têm a vantagem de terem aprendido, de modo seguro e eficiente, uma língua que nunca desaprenderam.
A nós, vieram dos maquis "professores" que não dominavam a Língua Portuguesa, mutilando-nos. Com eles, veio um suposto "nacionalismo linguístico" que nos levou a não aprender o que devíamos, como também não aprendemos língua africana nenhuma.
E andamos feitos morcegos: nem Português sabemos, nem línguas africanas (bantu ou pré-bantu) dominamos (sobretudo na sua forma de representação gráfica).
Quando alguns despertavam do sono e do ópio em que estavam mergulhados, veio a implementação, por parte de Portugal e Brasil, do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990, do qual Angola não aderiu (ainda), deixando-nos cada vez mais perdidos, muito confusos e confundidos.
- Que caminho/versão seguir?
Estávamos ainda a despertar de um sono e etilismo profundos.
Não aprendemos o que devíamos ter aprendido e surge uma maneira diferente de grafar e, sobretudo, de acentuar. É quilómetro ou quilômetro? Estômago ou estómago. Feiúra ou feiura? Quota ou cota? Esclavagista ou escravagista? Certo que disso há consequências!
- Que nos resta?
Humildade, atenção à forma de grafia e uso correcto, leitura permanente dos que conhecem e usam correctamente a Língua Portuguesa e baixar as orelhas às críticas de quem nos aponte os erros.

terça-feira, agosto 09, 2022

CRONISTA DESCONHECEDOR DA LÍNGUA MINA HISTÓRIA DOS IMBANGALA

Num relato de Thomas and Desch-Obi, M and J (2008), in Fighting for Honor: The History of African Martial Art Traditions in the Atlantic World. University of South Carolina, os imbangala (subgrupo ambundu) são tidos como "uma sociedade completamente militarizada, baseada inteiramente em ritos de iniciação".

Até aqui, foi mera observação que não demanda conhecimento profundo da língua alheia. Prossegue o cronista que "...Para impedir que o parentesco tomasse o lugar da iniciação, todas as crianças nascidas numa aldeia eram assassinadas".
Não terá confundido a convocação para a iniciação dos rapazes, que começa pela circuncisão? Não terá confundido os gritos motivados pela dor da cirurgia (a sangue frio) e o correr do sangue, por morte? É que, se nos século XX, quando já íamos à escola de formato europeu, a circuncisão demorava um mínimo de três meses, estou a pensar que, sendo ela uma instituição, podia demorar muito mais tempo no séc. XVII.
Quanto à iniciação, quase que se contrariando, Thomas diz ainda que "Durante o treinamento, se usava um colar que só poderia ser retirado depois que o praticante matasse um homem durante uma batalha. Os imbangalas se cobriam com um unguento chamado maji a samba, o qual eles acreditavam lhes conferir imunidade nas batalhas, desde que o guerreiro seguisse um código de conduta chamado yijila."
Toda a aprendizagem demanda o conhecimento e cumprimento de normas (ijila) rígidas. Os imbangala não estariam longe de Esparta e de outras sociedades clássicas e medievais da Europa.
Porém, e a entornar o caldo que levou tempo e paciência a preparar, o cronista seiscentista remata que "...esse código (kijila) incluía infanticídio, antropofagia e absoluta ausência de covardia".¹
Se Thomas acerta na "absoluta ausência de cobardia", pois os imbangala eram e seus descendentes continuam sendo guerreiros destemidos e disciplinados, o homem, que nem sequer tempo suficiente teve para aprender e embrenhar-se na língua dos povos que descreve, fez traduções e compreendeu ao pé da letra algumas coisas que lhe chegaram ao ouvido pela forma metonímica e metafórica.
Infanticídio e antropofagia não fazem parte de nossos relatos orais, ainda fontes importantes para a compreensão e construção da história dos imbangala. Veja esse trecho:
- Kaxinda wahi (Kaxinda morreu).
- Ki kyamwande (que foi que o comeu/que foi que o levou à morte?)
Aqui, kwanda=comer tem o sentido de levar à morte/à inexistência. É sentido figurado ou expressão metafórica que compara a desaparição ou transformação pela via da morte ao que se passa com o alimento que, por via da deglutição, deixa de ser uma coisa e passa a ser outra.
Certa vez, ainda eu criança, ouvi minha mãe que saíra de Luanda a contar às suas parentes sobre os atributos da mulher que o irmão dele "amigara". E dizia: omukaji aMbetu, uwaba kalunga samba!
Literalmente, kalunga é morte. A expressão kalunga é usada metaforicamente com o valor de infinito. O que ela transmitiu é que a beleza da cunhada dela (tal como a morte) era infinita!
Certa vez, andando pelo Rocha Pinto, eu e o Kitembo ouvimos duas manas de origem kibalense conversando nos seguintes termos:
- Axinda wakivita?
- Ohi?
- Kandonika wahi.
- Wahi? Kumbi bê?
- Samana yapiti.
- Ki kyamunzipi?
- Ngostu!
Veja a tradução literal: - Kaxinda, ouviste (tomaste conhecimento)? - De quê? - Antonica morreu. - Quando? - O que a matou? (Podia ser: ki kyamwande=o que a comeu) - Gosto (prazer)!
Note bem a expressão "ngostu!" ou seja gosto/prazer.
Na verdade, o que a senhora transmitiu foi que "Antonica morreu de SIDA ou efeito da busca desmensurada de prazer sexual".
Para um desconhecedor da língua, jamais chegaria à percepção do que levou a cidadã à morte.
Cusse Ndala, 55 anos, natural de Kisongo, diz que "o Kimbundu (língua matriz dos imbangala) deve ser interpretado e não traduzido literalmente, como o fizeram alguns cronistas seiscentistas, dada a elevada carga metafórica" (e parabólica) de suas expressões inacessíveis a não nativos.
====
¹-Adaptado de: Imbangalas – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org(08.04.2022)

sexta-feira, julho 01, 2022

ALGUMAS NOTAS AO PROJECTO DE LBFP

Após consensos entre o Executivo e os parceiros sociais sobre o Projecto de Lei de Bases da Função Pública (adiante LBFP), obtido a 4 de Março de 2022 (J.A, 05.03), o Governo, em sede do Conselho de Ministros, aprovou, a 23.06.2022, e deverá levar à Assembleia Nacional (para exercício da função legislativa) o projecto de LBFP, que “estabelece os princípios e normas respeitantes ao regime laboral da Função Pública. 2. O regime referido no número anterior compreende, entre outros, o seguinte: a) Deveres, direitos e garantias dos funcionários públicos; b) Regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica laboral; c) Princípios sobre o recrutamento e selecção de candidatos; d) Princípios sobre a estruturação de carreiras; e) Princípios sobre o exercício de cargos de direcção e chefia; f) Regime da prestação de trabalho; g) Princípios sobre a gestão de desempenho; h) Regime das faltas, férias e licenças; i) Princípios sobre o sistema retributivo; j) Regime disciplinar dos funcionários públicos”, cuja primeira leitura leva-me aos seguintes comentários: 

1.  O artigo 3º retoma a Pauta deontológica da função pública (Resolução 27/94 de 26 de Agosto). 

2. O artigo 7º debruça-se sobre a constituição do vínculo: (nomeação que é regra de ingresso na Função Pública, após resultado positivo num concurso público e o contrato a termo certo, não extensivo a 24 meses). Vide também artigo 10º. 

3. O artigo 8º regula os limites de ingresso à Função Pública, sendo novidade a proposta para alargamento a 45 anos. O proponente deixa espaço para debate em sede própria do Parlamento. 

4. O destacamento de capital humano também mereceu a atenção do proponente (artigo 16º) passando de um período de 2 anos renováveis para “um período não superior a 3 (três) anos, sendo prorrogável por uma única vez”. 

5. Os sete pontos do artigo 17º também merecem revisita dos interessados no tema da interinidade que deve recair, “apenas a funcionários do quadro da função pública”. 

6. O artigo 24º aborda a extinção do vínculo laboral na administração pública e traz a figura da “exoneração por iniciativa da entidade pública” quando, dentre outros, se note inadequação do funcionário em relação ao trabalho ou às exigências próprias do desenvolvimento das actividades administrativas, comprovada em processo de avaliação” … Ver ainda artigo 27º sobre rescisão. A nova proposta de LBFP deixa por terra a falácia de que “não se desemprega na função pública”. 

7. Olhando para o artigo 38º ressalta-me o facto de o proponente ter demarcado para debates mais acalorados duas categorias da carreira de Técnico Superior, abrindo a possibilidade de se puder resumir para 4 escalões. Já a carreira técnica (bacharéis) fica reduzida a 3 escalões (Técnico Especialista Principal; Técnico de 1.ª Classe; Técnico de 2.ª Classe), segundo o artigo 39º, ao passo que a carreira de técnico médio passa a 4 categorias (Técnico Médio Principal; Técnico Médio de 1.ª Classe; Técnico Médio de 2.ª Classe; Técnico Médio de 3.ª Classe), segundo artigo 40º. Tal permite, a meu ver, um crescimento mais rápido na organização. 

8. O artigo 53º aborda o período semanal e diário de trabalho que pode passar a 35 horas semanais e 7 horas diárias. 

9. O teletrabalho e a premiação pelo desempenho são algumas das principais inovações do projecto de LBFP (ARTIGO 56.º, Teletrabalh) e ARTIGO 59.º (Prémios de desempenho aos funcionários públicos e as equipas de trabalho que se destaquem obtendo classificações mais elevadas na avaliação de desempenho). 

10. Veja agora o que diz o ponto 3 do 62ª: sempre que a ausência seja de duração inferior ao período normal de trabalho diário a que o funcionário está sujeito, os tempos de ausência são adicionados para determinação dos dias de falta. 

11. Artistas e desportistas retenham: as faltas para participação em actividades culturais ou desportivas de carácter oficial, bem como nos respectivos actos preparatórios, nos casos em que essa participação deva verificar-se dentro do período normal de trabalho, são remuneradas (ARTIGO 69.º). 

12. Sobre licenças, veja o que diz o 3 ponto do artigo 88º:  em caso de falecimento da funcionária parturiente, o funcionário pai goza do restante período da licença de maternidade que ainda não tenha decorrido, com direito a remuneração devida. Já o artigo 90º concede ao pai um período de licença de paternidade mais alargado. “…o funcionário pai tem direito a ausentar-se por 5 (cinco) dias de calendário”. Veja também artigo 95º sobre licença ilimitada para funcionários do quadro da função pública com mais de cinco anos. 

13. Uma das vantagens da proposta é trazer em documento único REGIME DISCIPLINAR DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS (o CAPITULO XI) cujo artigo 102° reza que “s funcionários públicos respondem disciplinarmente perante os superiores hierárquicos a que estejam subordinados, pelas infracções que cometam…”. 

14. Salvo alterações ao texto, em sede da Assembleia Nacional, após debates em plenário e comissões de especialidade, a LBFP acabará por revogara Lei n.º 17/90, de 20 de Outubro, e demais legislação que contrarie a presente lei, nomeadamente: a) Lei n. º 20/90, de 15 de Dezembro – sobre o Estatuto do Trabalhador Estudante; b) Decreto n.º 24/91, de 29 de Junho – sobre o regime Jurídico das carreiras na Função Pública. c) Decreto n.º 25/91, de 29 de Junho - sobre a relação jurídica de Emprego na Função Pública; d) Decreto n.º 33/91, de 26 de Junho – sobre o regime jurídico disciplinar dos Funcionários Públicos e Administrativos; e) Decreto-Lei n.º 10/94, de 26 de Julho- sobre o regime jurídico das férias, faltas e licenças; f) Decreto-Lei n.º 21-A/94, de 16 de Dezembro - sobre o regime remuneratório da Função Pública; g) Decreto n.º 66/02, de 25 de Outubro – sobre a regulamentação da prestação do trabalho extraordinário e sua remuneração; h) Decreto-Lei n.º 8/02, de 18 de Junho – sobre o agravamento das faltas injustificadas do pessoal da Função Pública; i) Decreto n.º 122/03, de 21 de Novembro – sobre a interpretação da alínea e) do artigo 11.º do Decreto n.º 33/91, de 26 de Junho; j) Lei n.º 8/02, de 19 de Julho - sobre o período de funcionamento e o horário de trabalho na Administração Pública; k) Decreto n.º 6/08, de 10 de Abril, sobre a admissão excepcional de candidatos com idade superior a 35 anos nos concursos de ingresso à Função Pública, o que a torna num instrumento de fácil consulta e aplicação/cumprimento pelos funcionários e distintos órgãos da administração pública, como é o caso do GRH. 


Por: Luciano Canhanga, MSC em Ciência empresarial. Foi Dir. GRH no ex-MGM. 



quarta-feira, junho 01, 2022

EVENTUAIS CAUSAS DO BILINGUISMO ENTRE OS AMBUNDU DO KWANZA-SUL

(Constructo)
Nota prévia: a expressão bilinguismo, aqui utilizada, exclui da abordagem a Língua Portuguesa que é hoje falada e compreendida por mais de 71% dos angolanos¹. A análise cinge-se a línguas locais de origem bantu. 

Um inquérito feito por Tomé Grosso entre os povos do norte e centro do Kwanza-Sul, para aferir que língua falam, indica a existência de bilinguismo, havendo habitantes de zonas predominantemente ambundu que também falam Umbundu e, eventualmente, pequenas bolsas ovimbundu, em território de maioria ambundu, que também se comuniquem alternativamente em Kimbundu. Do latim bilinguis, bilíngue é um adjectivo que se utiliza em referência a quem fala duas línguas. 

O termo bilinguismo, aplicado ao indivíduo, significa a capacidade de expressar-se em duas línguas. Numa comunidade, é a situação em que os falantes usam duas ou mais línguas alternadamente (WEINREICH, 1953). 

Espreitando o censo de 2014, verificamos que a Língua Portuguesa é falada por mais de 71% (média), sendo que nas áreas rurais a percentagem média de falantes baixa para 49% (Censo 2014). Por outro lado, o Censo 2014 aponta as províncias de Luanda, Bengo, Kwanza-Sul, Kwanza-Norte e Malanje como a região de predominância ambundu, constituindo-se em 7,82% do total da população angolana (pg. 51), não afastando a existência, nesse espaço geográfico de Angola, de falantes de outros idiomas de origem bantu, com predominância aos ovimbundu. 

No seu conjunto, os ovimbundu constituem 22,96% da população angolana, sendo o Umbundo o idioma mais falado e dos povos que, pelas razões que elencaremos abaixo, mais emigraram para outras regiões, mantendo, entretanto, quase imaculada a sua cultura. 

 - Por que haverá bilinguismo entre as populações do Kwanza-Sul? 
No inquérito efectuado para a sua monografia (licenciatura) que visou esclarecer a designação do idioma dos povos do norte e centro do Kwanza-Sul, Tomé Grosso identificou respostas duplas quando questionava "eye hoji lyahi wondola?" (que língua você fala), num quarteto de escolha entre ngoya, Kimbundu do KS, Kibala e Mbalundu (Grosso, 2019, pg. 69). 

Seis respostas, dos 50 inquiridos, apontavam duplamente Kimbundu e Umbundu ou Kibala (variante de Kimbundu) e Umbundu, correspondendo a 12% dos respondentes, o que desperta a nossa atenção. No auge das monoculturas, início do sec. XX, os fazendeiros instalados no Kwanza-Sul, quer fossem portugueses ou alemães de origem judia, procuraram intensamente por mão-de-obra ovimbundu por, alegadamente, se mostrar mais apta ao trabalho manual e a viver acampada, o que não acontecia com os nativos locais, propensos à rebeldia e fuga, visto que, "na visão de Heimer (1980), o período colonial conjugou lógicas capitalistas e não capitalistas, conjugação através da qual se gerava o excedente da produção agrícola e se reproduzia uma mão-de-obra barata" (Quitari, 2010). 

 José Capela (1978), citado por Quitari, descreve a forma «compulsória» como os povos do sul de Angola foram introduzidos na economia monetária para o pagamento de impostos, recorrendo à venda da força de trabalho e/ou da produção agrícola aos colonos. Quer nos acampamentos, quer nas aldeias a que se juntaram ou constituíram, depois da desintegração das fazendas, esses antigos trabalhadores braçais ovimbundu conservaram sua língua, seus ritos de iniciação e festas e demais marcas de sua cultura, transmitindo-as a seus filhos e netos. 

As necessidades fisiológicas e de integração levaram-nos, por outro lado, a encetar processos integrativos, o que os levou a aprenderem o Kimbundu local. Tal processo levou a que, embora cada unidade linguística conservasse intacta a sua língua (Kimbundu para a maioria autóctone e Umbundu para as minorias emigrantes), se desenvolvesse um bilinguismo, na medida em que procuravam comunicar e compreender-se simultânea e indistintamente em cada uma das línguas. Outros processos integrativos e de fusão como os casamentos entre ambundu e ovimbundu, a frequência de catequeses, igrejas, escolas e instrução militar são também apontados como elementos que propiciaram o bilinguismo entre os ambundu e ovimbundu do Kwanza-Sul. 

S.K., 48 anos, natural de Mbangu de Kuteka, Libolo, entrevistado a propósito do bilinguismo entre os ambundu do Kwanza-Sul, afirma que aprendeu Umbundu nos momentos de recreio escolar, numa altura em que, enquanto neto de um antigo detentor da categoria de assimilado² era impedido de falar Kimbundu, ao passo que os seus coetâneos e colegas ovimbundu glosavam Umbundu nos intervalos entre aulas e durante toda a vida quotidiana longe da escola único recinto em que o professor os obrigava a falar a Língua Veicular. 

Katumbu K'Etinu, 75 anos, natural da margem libolense do rio Longa, afirma que sempre falou Kimbundu, porém, "por causa dos mbalundu da fazenda" e por, numa fase de sua vida, se ter juntado a um ngangela que falava Umbundu aprendeu a perceber e falar Umbundu, tendo um filho que é meio ambundu e meio ngangela/ovimbundu. A anciã acrescenta que na última aldeia em que viveu (Pedra Escrita), que é um "ajuntamento de povos de varias origens", com destaque para os ambundu e ouvimbundu que trabalhavam nas fazendas coloniais, "todos falam Kimbundu, Umbundu e Português", sendo a última a "língua da escola, do contacto com a administração e visitantes". 

Semelhante estórias foram ouvidas no Hebo (Ebo) e no Kisongo (Quissongo), contadas, respectivamente, por Sabalu Lumbu, 60 anos, e Kambambi Mulalu, 52 anos que vivenciaram a passagem ao Estado, por força da Lei nº 37/6 de 3 de Março (nacionalizações e confiscos) de fazendas antes detidas por colonos, a desintegração dos acampamentos de trabalhadores de origem ovimbundu, recrutados no centro de Angola, e sua integração nas aldeias locais, próximas das antigas fazendas. Tal contexto político, histórico e sociológico, narraram, fez com que a necessidade de comunicação permanente, interação e integração das minorias propiciasse, quando possível, o surgimento do bilinguismo entre os ambundu do Kwanza-Sul (regiões em que existiram acampamentos de trabalhadores ovimbundu em fazendas agrícolas). 

... 
¹- Censo 2014 
²- Os assimilados eram os indivíduos que conseguiram demonstrar à administração colonial portuguesa que tinham alcançado um nível de evolução social que lhes permitia transitar de indígena para a categoria superior dos que tinham interiorizado e viviam segundo os preceitos da civilização europeia (adaptado de Nuno Domingos, 2020).

quarta-feira, maio 25, 2022

KAJILA K'ELOMBO (tentativa autobiográfica)

I
A nível internacional, o governo de Caetano tinha sido derrubado pelos capitães de Abril e era Spínola quem mandava em Portugal. Internamente os Movimentos de Libertação Nacional afinavam estratégias e alfinetavam-se para proclamar a solo a independência, a faltar seis meses.
O Kuteka estava enlutado. Tinha partido Ñana Ñunji Kitinu, o rei.
Kilombo Ki'Etinu, também conhecida por Maria Canhanga, estava concebida, primeira gestação de sua nova relação com o filho do forasteiro Ñana Muryangu, depois de sucessivos abortos até se tornar viúva de Kafanda.
Nascia assim, no dia consagrado à África, Kajila k'Elombo ou Luciano, homónimo do irmão mais novo de António Fernando Ndambi, adquirindo, mais tarde, o apelido materno, Canhanga, por ter nascido no óbito daquele e ter sido registado já com o pai finado.
Luciano nasceu "acidentalmente" na aldeia de Mbangu yo'Teka (Mbango-de- Kuteka) a comunidade natal do rei Ñana Ñunji Kitino Mungongo (Canhanga) entronizado na capital da região, Mbaze yo'Teka. Corria o ano de 1974 (segundo dados compulsados).
Até aos 4 anos, viveu em Kitumbulu, encosta montanhosa que separa o Kuteka do Lussusso, onde o avô parterno cultivava café banana e outros agroprodutos.
No ano da Agricultura (1978 em que o pais conheceu seca severa), António entende abandonar o pai e construir a sua vida perto do asfalto e da escola para os filhos. Enceta a migração com o seu primo Xika Yangu que era, à data, soba da aldeia de Mbangu-Kuteka. É exactamente neste ano que falece o avô Ñana Muryangu.
Em 1979, ano da formação de quadros, Kajila é matriculado na iniciação (pré-kabunga de então), percorrendo a pé a distância que separa a antiga Fazenda Israel à aldeia de Kalombo (uns 5 km a multiplicar por dois).
O aumento do número de alunos na antiga fazenda Israel (rebaptizada Hoji-ya-Henda), onde também vivia o professor José Borracha, fez deslocar a escola de Kalombo para a antiga instalação pecuária da fazenda, no ano lectivo 1980/81. Foi neste ano em que viveu a sua primeira experiência de actividade na OPA, quando participou da recepção ao Comissário Provincial Armando Dembo que visitara a fazenda Tabango.
A segunda classe foi frequentada em sala construída entre as aldeolas de João Salomão e Azevedo Kambundu. Já a terceira, fê-la no antigo acampamento junto ao campo de aviação, sendo professor das duas classes Jorge Manuel Carlos (Kakonda).
Foi o período áureo de toda a aprendizagem social e cultural, com intensa actividade virada às práticas ancestrais como: pescas (isca, cesto e envenenamento), caça (manipulação e fabricação de diversos tipos de armadilhas), agricultura e fundição de ferro através de fole (com o mestre Xika Yangu).
Em 1982, António Ndambi viria a falecer em Luanda, numa altura em que Kajila k'Elombo frequentava a instituição social onzo-i-mema (circuncisão), apartando-se do convívio com os demais parentes e aldeões enquanto durou a iniciação masculina.
Os dois anos que se seguiram, 1983 e 1984, foram marcados pela presença da guerrilha (UNITA) com ataques a veículos, minagem de estradas, ataques e pilhagens de aldeias, raptos, etc. São memoráveis as inúmeras noites passadas nas matas e as caminhadas, em recuo, para Fuke, Katoto, Kandemba e o ataque à Munenga, em Fevereiro de 1984, e consequente refúgio temporário (entre 15 a 30 dias) na aldeia de Samba Karinje.
No aspecto religioso, a sua primeira experiência dá-se em finais de 1983 quando o primo e professor Jorge Carlos o convida a frequentar a Igreja Cheia da Palavra de Deus. Foram poucos meses, pois a guerra tudo interrompeu.
Deixaram de ser feitas a agricultura, a pesca e a caça permanentes. Apareceram os recuados da Kisala, Kisongo, Longolo e outras localidades e iniciou também o abandono da região adjacente à fazenda Israel, hoje aldeia de Pedra Escrita.
Em 1984, Kilombo Ki'Étino (Maria Canhanga) abandona a aldeola de Limbe (extinta) e segue para Luanda, onde permanece 3 anos (vide bio Kilombo ki'Etinu em Comunicação, Etnografia, Linguística e História: KILOMBO KI'ETINU (olhoensaios.blogspot.com)

II
Kuteka, Israel, Kalombo e Limbe eram conglomerados sem energia eléctrica, onde o pirilampo, à noite, era alegria para os pequenos.  Fuke e Munenga, com lâmpadas acesas e muitos carros que passavam ou pernoitavam no motel do alemão Ngana Mbundu eram, aos olhos de Kajila k'Elombo, já cidade, daquelas que via apenas nos rolos fílmicos.
Antes de ir a Luanda, conheceu Kalulu, aonde fora com a mãe em busca de guia de marcha obrigatória naqueles anos. Kalulu era enorme aos seus olhos. A capital do Libolo mostrava-se tímida e destruída pela Unita que a atacara em Setembro de 1983.
Dias depois, em Maio de 1984 chegava à capitalíssima. A viagem durou 3 dias e foram "descarregados" nas imediações do Jumbo onde se estendiam duas ruas largas e com postes de iluminação muito altos. Numa das paredes estava desenhado um belíssimo Scania "cabeça burra".
Maria com embrulho à cabeça,  Emília às costas e dois outros puxando pelas mãos, ergueu os olhos, tirou as medidas e descobriu a estrada que os levaria em direcção ao Hospital "Sô" Paulo. Daí em diante era já Rangel, onde vivia o irmão Ferreira.
No Kaputu, Kajila k'Elombo encontrou que  brincadeira dos miúdos espertos era levar os recém-chegados aos becos e abandoná-los para que se perdessem, provocando o "nanyi wangibongela kambonga kadyalaêêê"¹. Mas Kajila k'Elombo já sabia ler e decorava os nomes e os números das ruelas e ruas por onde passava, bem como as desembocaduras destas.
Em Setembro, as aulas iniciaram. Vontade de voltar à escola era enorme, mas cédula pessoal não tinha. Para não ficar só aí, um irmão² que ensinava a segunda classe na Escola Grande da Terra Nova colocou-o na sua turma (sala 18). Assim repetiu a segunda e a terceira que não tinha acabado no Libolo.
Nos anos da RPA, todo o petiz ingressava à escola e simultaneamente à OPA. As batas escolares haviam sido substituídas pelo uniforme azul-celeste da OPA. Assim, nos três anos passados na Escola Grande, Kajila foi sempre chefe de brigada (turma), sendo Chefe de Estrela o coordenador-geral, professor Ki-Ngibanza.
Numa altura em que todo o abastecimento de géneros alimentícios e outros bens passavam pelo enfrentamento de bichas, o rapaz amestrou-se nas matérias que encontrou e era o responsável pela feitura de compras nas "lojas do povo" e depósitos de pão, gás, talhos e peixarias, ao que a família era brindada com parte destes bens. Em terceira linha paralela, fazia venda de restos derretidos de sabão, descartados pela Induve, a que chamavam "sabão cocó", cuidando ainda de levar o milho e massambala (negócio da mãe) à moagem, o que lhe custava bulling da parte de outros infantes, assuntos que eram resolvidos a músculos, kafrikes e "basulas".
Em 1987, na quarta, foi sozinho ao Palácio tratar do sei B.I. Malgrado, perderia o recibo e a cédula, meses depois, impossibilitando-o de fazer o exame da quarta classe. Os tutores entenderam que o fizera de propósito para não estudar e transformar-se em bandido como acontecia com alguns garotos daquele tempo.
Para puni-lo e prevenir, transferiram-no, em 1987, para Kalulu onde, novamente, sem documentos, frequentou o 4° Semestre do ensino de adultos e o II nível terminado em Junho de 1990.
Em Dezembro de 1989, a vila de Kalulu fora novamente atacada e pilhada pela guerrilha, obrigando Kajila a caminhar até Mbangu-Kuteka, passando por Munenga e Pedra Escrita. Três meses depois, voltava a Kalulu e já não tinha nome nas novas turmas que se reconstituíram depois do ataque, nem no internato onde residia.
Sem reabastecimento e com ataques frequentes às viaturas procedentes do Sumbe e ou Luanda, a fome tomara conta do internato da Missão Católica. Os conhecimentos de corte e costura adquiridos entre 1987-88, quando viveu em casa do mestre Gonçalves Carlos, permitiram-lhe usar a máquina de costura da esposa do director Avelino Gangala, resultando em algumas esmifradas moedas e ou pratos de comida.
Terminado o ano lectivo, pediu transferência para a escola Ngola Mbandi, em Luanda, onde frequentaria, entre 1990 e 1992, o III nível.
=
¹- Quem achou/acolhe um menino perdido?
²- Arnaldo Carlos é hoje Comissário-Geral da Polícia Nacional.
=

III
Os três anos em Luanda, 1984-87, tinham permitido percorrer o Rangel, bairros vizinhos e a cidade. Os extremos eram o Kikolu do sabão cocó, a Samba do peixe para secar e Viana das castanhas de Caju. O Cazenga da Igreja Metodista, que entrou em definitivo na sua vida, e o Ngola Mbandi, vizinho do Nzamba 3 das compras, eram lugares por demais cognitos.
O envelope fechado e lacrado acomodava o certificado da sexta, assinado pelo director Narciso Francisco da Cruz, da escola Kwame Nkrumah, em Kalulu, e a guia de transferência que foram apresentados à direcção de Jacob António Cahisso. Corria o ano da reestruturação da economia e da democracia multi-partidária, 1990.
O acolhimento, por parte dos colegas da sétima, turma K, podia ser melhor, se o rapaz "saído do mato" não se diferenciasse pela sua rápida assimilação, fraco no vestir e um vocabulário rebuscado para um glosar pobre da maioria que não passava de um corriqueiro calão luandense. Kajila era já possuidor de um Dicionário Prático Ilustrado e uma Gramática José Maria Relvas.
Os primeiros relacionamentos eram marcados por bulling e aproximações forçadas em momentos de provas ou exercícios práticos de matemática e desenho.
Cristóvão Major (Man Cristo) era professor de Língua Portuguesa na sétima classe e jornalista da ANGOP. Tendo Kajila faltado a uma prova de conhecimentos, Man Cristo quis puni-lo mandando-o fazer a prova da oitava classe cuja matéria tinha alguma similitude. O espanto do professor foi notar que o rapaz da sétima completara, de forma assertiva, as respostas em menos de vinte minutos, atribuindo-lhe nota vinte.
Daí em diante, o seu nome tornou-se conhecido em todo o Ngola Mbandi, ganhando o convite para integrar a célula da JMPLA e a inscrição antecipada na Associação dos Alunos do Ensino Médio.
Já a oitava classe foi marcada pela participação nas olimpíadas escolar e municipal de Matemática, chegando a descobrir um exercício (polinómio) cujo conjunto de solução se apresentava errado no manual. Ficou conhecido como "o rapaz que corrigiu o livro de Matemática". Por mais incrível que pareça, o "rapaz da Matemática" tem nove valores no certificado da oitava, algo que só o professor pode explicar, talvez por lhe ter negado a grade de cerveja importada, volume de cigarros ou garrafa de whisky que os desonestos da época pediam a cada um dos alunos. Tinha caído o mono-partidarismo e todo o seu rigor em termos de probidade. A ética cedia, sem forças, o seu lugar à "gasosa" pujante e desavergonhada.
Diferente daquele mercenário transvestido em professor de Matemática, era o Man Cristo que convenceu Kajila a enveredar pelo jornalismo, o Manuel da Rosa "Rosinha" que leccionava Química e trabalhava no Jornal de Angola e outros poucos.
O ano lectivo 1991-92 foi curto, por causa das eleições, em Setembro, as primeiras em Angola. Os encaminhamentos tinham cessado e sido rebuscados os testes de aptidão para o ensino médio. Inexperiente, Kajila escolheu Geologia e Minas, no Sumbe, onde não chegou a estudar.
Frequentou, em 1993, um curso de operação de microcomputadores, na ENCO, aprendeu noções básicas de electricidade de baixa tensão (valeram os conhecimentos nas aulas de física no Ngola Mbandi) e fez crescer a sua Sala de Superação de Dúvidas e Reforço Escolar (explicação) iniciada em 1990.
Em mais um teste de aptidão, em finais de 1993, para o curso sugerido por Cristóvão Major, Kajila entra no IMEL em 1994, ganhando o epíteto de Star (estrela em Português) dado o seu aproveitamento acima da média para a sua condição social. É também dos poucos tratados pelos colegas (MUSSUND'AMIGOS) como "galo" (alusão ao facto de ter entrado e saído em 3 anos sem efectuar nenhum exame de recurso nem reprovação). No seu trabalho de fim de curso (médio de Jornalismo), em 1996, analisou a "Criminalidade em Luanda entre 1990-1995".
Afoito para o primeiro emprego, candidatara-se a vagas na educação (tendo leccionado dois anos lectivos na escola Pica Pau), na Secretaria de Estado para a Promoção e Desenvolvimento da Mulher e na LAC, tendo sido aprovado nos três, mas abdicado da SEPDM a favor de um amigo que não conhecera a mesma sorte na LAC (inicialmente programa autónomo Dicas da Cidade) e na Secretaria de Estado.
Entre 1997-98 lecionou no ensino primário público e esmerou-se como repórter-redactor na Luanda Antena comercial onde chegou a editor até 2006, altura em que se mudou para a diamantífera Catoca, onde fundou a Secção de Comunicação da empresa.
Em 2000, por via de teste de aptidão, ingressou no curso de licenciatura em Didáctica de História, ISCED de Luanda, e, em 2003, frequentou simultaneamente o 4° ano de História no ISCED e o 1° ano de Comunicação Social, novo curso aberto no ISPRA.
Colaborou, por ano e meio, na Orion, 2001-2002, reportando para o programa radiofónico Nação Coragem, tendo com o soldo juntando pratas com que comprou o seu primeiro Starlet em terceira mão.
O período 1990_2006 foi também intenso do ponto de vista religioso, na Igreja Metodista Unida, cargo pastoral de Moises, e na JMPLA, revelando-se como mobilizador, organizador de eventos comunitários (destaque para inúmeras campanhas de limpeza), realizador de debates entre jovens políticos (LAC) e dirigente ao nível do Secretariado do Comité Municipal do Rangel.
Tornou-se pai de Mohamed Mociano dos Santos Canhanga em 1997. Fustigado por uma guerra civil desde 1975, Angola já tinha as armas silenciadas desde 2002. O desafio era reconstruir e construir, formar e capacitar, para fazer o país andar e recuperar 27 anos de guerra destruidora. Kajila estava casado desde 2002 com uma jovem de Cazengo, de quem Gerou Luciano Delfim. 

IV

Em Abril de 2005, por sugestão de sua chefe, na LAC, Paula Simons, foi seleccionado para o Curso de Jornalismo destinado aos PALOP, organizado pela Fundação Kalouste Gulbenkian e realizado na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Portugal, em Lisboa. Fê-lo com dedicação e empenho aplicando na prática os conhecimentos teóricos. Exemplo disse foi a criação do blog www.mesumajikuka.blogspot.com em cadeira de jornalismo digital.

Voltou saudável e bem falante. Uma semana depois, a 01.06.2005, em companhia de colegas de trabalho, o carro conduzido pelo colega Pedro Menezes acidenta, resultando na morte do condutor e de outra colega. Kajila e a irmã da passageira da frente sobrevivem, mas com bastantes injúrias que o levaram a andar em cadeira de rodas e canadianas até voltar ao trabalho. Seguiram-se momentos de reflexão sobre o que ganhava e como viveria em caso de incapacidade total de trabalhar. Tal fê-lo mudar de ares, candidatando-se para uma vaga em Catoca. O curso de comunicação Social estava por concluir, mas foi. Foi nomeado primeiro responsável da Secção de Comunicação e Imagem que evoluiu, um ano depois, para Sector.

Em 2014, desejoso de aprender e fazer novas coisas, decidiu matricular-se numa pós-graduação em Gestão Empresarial com Foco em Pessoas (FAAG) e mestrado em Ciência Empresarial (UFP) que concluiria somente em 2020, obtendo 16 valores numa dissertação que analisou "A motivação dos funcionários do Ministério da Geologia e Minas", onde foi Director de RH desde 2015, a convite do Ministro Francisco Queiroz que o requisitou de Catoca.
Ainda na Lunda Sul, leccionou Língua Portuguesa na Escola Superior Politécnico da Universidade Lweji ya Nkonde (2012-2015) e no Instituto Superior Politécnico Lusíadas da Luanda Sul 2013-2015).
Na capital da Lunda Sul continuou a actividade político-ideológica, sendo Segundo Secretário do Comité de Especialidade de Ciências Sociais e Humanas. A actividade religiosa também esteve na mó de cima, sendo-lhe cedido regularmente o púlpito da Igreja Central onde foi vice-director da Sociedade de Homens.
Regressado a Luanda, em 2015, ministrou História do Jornalismo Angolano e Produção Radiofónica no Instituto Superior Técnico de Angola -ISTA- (2016-2020).
As eleições de 2017 levaram à fusão dos extintos Ministério da Geologia e Minas e Ministério dos Petróleos, dando em MIREMPET. Kajila k'Elombo foi convidado a dirigir o Gabinete de Comunicação do novel Organismo, merecendo novamente a confiança do Ministro Diamantino Azevedo na reforma dos Órgãos de Apoio ao PR de 01 de Abril de 2020 que redundou na fusão de algumas direcções. Kajila foi, ao nível do país, o primeiro Director de um Gabinete de Tecnologias de Informação e Comunicação Institucional de um Ministério (Junho 2020).

CF
Depois de abdicar das aulas, por insuficiência de tempo, enveredou por palestras e conferências sobre temas ligados à comunicação e motivação no trabalho.
...
Em 2010 estreou na escrita criativa, tendo publicado o romance O sonho de Kaúia. Seguiram-se lhe 10encantos (poesia), Manongo-nongo (contos), O relógio do Velho Trinta (romance), O coleccionador de pirilampos (contos), Canções ao vento (poesia), As travessuras de Jack (novela) e Amor sem pudor (poesia). Participou de antologias publicadas em Angola, Roménia, Portugal, Brasil, África do Sul e Chile. Paralelamente, colabora, como cronista em medias como: Cruzeiro do Sul, Semanário Angolense, Jornal de Angola, Jornal Cultura, Nova Gazeta, Jornal de Economia & Finanças, O litoral, etc. 
 

sexta-feira, maio 13, 2022

KILOMBO KI'ETINU

Primeira à esquerda

Originalmente Kilombo ki'Etinu, Maria Canhanga, como é conhecida, nasceu na região deKuteka, Munenga, Libolo, a 13 de Maio de 1947 (ofic).

Filha do soberano local Kitinu Mungongo e Maluvu Ndonga, cedo foi forjada para as lides de casa, cuidando de sua mãe, cuja saúde era, desde cedo, precária, e de seu irmão mais novo.

Desposada com António Ndambi (em segundas núpcias), gerou Luciano, Júlia, Elisa e Emília, tornando-se viúva em 1982.

Com a chegada e acentuação do conflito militar teve de abandonar a terra natal, em 1984, recuando, com os filhos, para Luanda onde os sustentou de pequenos negócios e agricultura nas imediações do antigo Hospital Sanatório de Luanda.

Entre 1987-93 esteve a fazer agricultura na aldeia de Pedra Escrita, gerando o seu quinto filho Cruz.

De novo, a guerra pós-eleitoral a forçaria a seguir para Luanda, permaneceu na capital do país de 1993 até 1998.

Nessa altura, já ela avó, surgiu-lhe a preocupação de manter o campo como recta-guarda para alimentar os filhos e netos na grande cidade (Luanda), regressando à aldeia de Pedra Escrita e entregando-se, apesar da idade crescente, à lavoura.

Em 2015 é atingida por uma severa e irreversível cegueira, o que obrigou o filho mais velho a levá-la para Luanda, para tratamento e acompanhamento médico, dando-lhe uma pequena moradia adaptada às condições de mobilidade condicionada. Vive no Zango 4-B, (Projecto Chicala).

* Bio em construção

sábado, abril 02, 2022

ARTE RUPESTRE NO KWANZA-SUL

São poucas as "estações", no nosso país, onde os homens de "há muito tempo" (pré-história) deixaram suas marcas de forma artística e representando a sociedade do seu tempo.

As pinturas rupestres contam, por si sós, a História do "homoangolensis", sendo de capital importância o conhecimento dos locais em que nos deixaram esses testemunhos e a sua divulgação a novas gerações.

Temos pinturas rupestres em Citundu Hulu, e Kaningiri (Huambo); Undolila e Tchicotowe (Namibe) e no Ndalambiri (Ebo, Kwanza-Sul) que é bem próximo de cidades como Cela, Gabela, Dondo, Ndalatandu, Malanji, Luanda, Sumbe e Benguela.

Os que superintendem a Cultura, nos mais diversos escalões da administração do Estado, devem promover o conhecimento e visitas a essas estações, incentivando o turismo rural-cultural.

Todos devemos cuidar e preservar o nosso património histórico.
Visite você também Ndalambiri!