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terça-feira, dezembro 01, 2020

ÚBEKA*

Revisitando a memória e o costume dos povos libolenses e circundantes, chega-se à conclusão de que o chamado "chá-de-panela" não é nada mais do que um peditório pré-matrimonial que visa dotar a pré-nubente de utensílios domésticos para colocar-se em condições de poder receber visitantes.

Tal peditório visa angariar, sobretudo, utensílios de cozinha, entre louça, talheres, toalhas de mesa e de loiça, fogão, bilha de gás e outros adereços.
Na tradição bantu-libolense o peditório tem o designativo Kimbundu de úbeka.
A pretendida (noiva), antes do kixobo**, passa pelas casas de tias e primas, já casadas, que oferecem tantas peças quantas possíveis do seu enxoval à futura "dona de casa". É um acto encarado com normalidade e naturalidade que não se submete à chacota.
Olhando para o moderno e urbano "chá-de-panela", trata-se tão somente da urbanização ou renovação de um hábito secular bantu que ainda tem pernas no interior libolense.
Ao inovador "chá-de-panela" segue-se o "chá-de-bebê" outro peditório que visa angariar de parentes e amigas chegadas roupas de recém-nascido que seus filhos tenham descartado.
É também assim no Libolo.

* Peditório
** cerimónia matrimonial

terça-feira, novembro 10, 2020

MASWIKA*

Que saudades da "kizaka de ontem"!

Quão saboroso é o feijão cozido em "ombya yi utuma", para os ambundu, e "nddoho ya huma" para os tucokwe.**
E o hita/funji/xima/iputa também feito em panela de barro, manhã cedo, antes de partir para a lavra e aguentar o dia todo?!
São necessárias lenhas e archotes que são colocados em três intervalos dos "maswika" que suportam a panela, cruzando no centro onde se desenvolve a combustão.
Na ditenda*** também é a mesma coisa. A panela grande ou tambor metálico é colocado sobre três pedras de tamanho aproximado, bem afixadas sobre o solo, de modo a não se mexerem e entornarem o recipiente.
Assim se fizeram e fazem homens e mulheres do campo e das pequenas cidades onde o fogão a gás convive com a lenha e maswika!



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* Fogareiro improvisado sobre o solo com três pedras de tamanho semelhantes e que suportam a panela.
** Panela de barro. O oleiro usa argila que depois coze em alta temperatura.
*** Alambique. O vocábulo Kimbundu também significa fábrica.

quinta-feira, outubro 15, 2020

MBOMBA MU HONDJA*

Corria o ano de 1977. Angola era pais independente, havia dois anos. O ensino tinha sido levado a todas as aldeias do Kwanza-Sul, visando atingir a taxa de escolarização primária bruta e erradicar o analfabetismo (70%) tido como uma tara da colonização.

Na aldeia de Mbangu ya Kuteka (Mbangu-yó-Teka) Faustino Kis(s)anga Bocado era o professor.
Transitado do regime colonial em que as línguas nativas eram proibidas no ensino (excepto na catequese católica), o professor debatia-se com o problema de ter de ensinar conteúdos elaborados em Língua Portuguesa a alunos que não falavam tal idioma. Daí que a sua primeira medida tenha sido a proibição do uso do Kimbundu, por parte dos alunos, quer na escola, quer em casa (convívio familiar) o que no seu pensar permitiria a rápida aprendizagem da nova língua e a absorção consequente dos conteúdos acadêmicos.
Será que a medida pega?
Cedo, os alunos fizeram um pacto. Não falar na escola, mas tolerar quem falasse com a mãe, a avó e com os irmãos mais novos que ainda não andavam na escola. Quanto aos pais, embora também ignorassem a língua do Kaputu de que nao passavam do "tira água, apoiavam inequivocamente a ideia do professor, pois era desafio e ordem de Neto construir o "homem novo".
Porém, nascidos e feitos pessoas a kimbundar, "era impossivel viver sem o Kimbundu de nossas vidas", narrou certo dia Kakulu ka Soba.
Era sábado dum mês escondido na nuvem. Zinha Domingos e outra Zinha, cujo apelido me escapa, caminhavam para a lavra e, como farnel, levavam bombó com banana que comiam enquanto se adestravam na decoração do "a-mbe-cê-nde" e das sílabas "a-ma-me-mi-mo-mu" (cuja entoação nos leva à frase oh mãe, já sou assim).
Já com os pés no rio Kas(s)onge que separava a aldeia de Mbangu à antiga loja do Abílio, transformada em escola, uma das Zinhas, a mais nova, pede:
- Ngibaneko mbomba.
- Toma então. - Deu-lho.
- Ewo! Mbomba muhondja uwabê?! - Retorquiu Zinha Domingos.
A conversa, ora num português ainda mal articulado, ora mais se parecendo em Kimbundu, foi rolando até atingirem a zona da Vala, proximidades da fazenda da D. Lina, alemã baptizada pelos nativos por Senhora Kas(s)enda.
Chegou a segunda-feira das aulas. A pré (iniciação) ficava num terreiro, debaixo de uma árvore. A primeira repartia a sala com a terceira (de manhã) e a quarta repartia a sala única com a segunda classe, sendo pintados a negro dois retângulos nas paredes anterior e posterior que faziam o papel de quadro.
A revisão e correção do trabalho para casa englobava também a "vistoria" de quem tivesse falado Kimbundu na aldeia ou no pátio, cabendo-lhe as mesmas chicotadas ou palmatoadas que eram aplicadas àqueles que se tivessem furtado a executar o dever de casa.
- Quem falou Kimbundu? - Perguntou Faustino Bocado.
Os alunos entreolharam-se, fazendo viagem à memória. À época era ainda proibido mentir.
Nisso, Garcia que estudava a terceira e ajudava o professor a controlar os alunos da iniciação, lembrou-se de uma estória que lhe fora contada sobre uma das charás e reportou.
- Camá prossor. Zinha falou Kimbundu.
- É mentira camá prossor. Eu num faló Kimbundu. Que faló Kimbundu é Zinha Domingo. Falou assim mbomba muhondja uwabê!

*Quão deliciosa é a mistura de bombó com banana!

quarta-feira, setembro 02, 2020

AO ENCONTRO DE "PLATÃO DA KIBALA"

Uma dúvida colocada por um amigo quanto à denominação dos meses e o início do ano na cosmogonia batu (realce aos ambundu, ovimbundu, tucokwe e bakongo) que eu defendia ser Setembro o 1° mês e ele Janeiro (como na Europa) fez-me desviar a rota do trabalho e ir ao encontro do Rev° Gabriel Vinte e Cinco.
Para mim, ale associa o conhecimento natural, ganho pela experiência, indagação permanente e busca de respostas (transmitido pela oralidade por seus mais velhos) e o conhecimento científico-acadêmico, sendo, por isso (minha apreciação), uma PONTE entre os detentores do saber consuetudinário e do positivo (cientifico). É uma pessoa que tem conhecimentos e conselhos para todas as idades e tipos de organização intelecto-racional.

Bem podia caracterizá-lo de "Sócrates", porém, o maior filósofo helênico não deixou obra escrita, sendo a sua escola e magistério conhecidos por meio de PLATÃO, seu discípulo.
Gabriel Vinte e Cinco tem livros publicados sobre o Kwanza-Sul e Metodismo Unido em Angola. É, por isso, o meu Platão da Kibala.

O mestre confirmou que Setembro é para os Kibala, povos sedentários originários do Ndongo e que habitam o centro do Kwanza-Sul, o 1° mês do ano.
Abaixo os nomes, a começar pelo correspondente a Setembro (mês do início da chuva e campanha agrícola):
1- Kamoxi (Setembro do calendário gregoriano)
2- Kakyadi
3- Katatu
4- Kawana
5- Katano
6- Kas(s)amano
7-Kas(s)ambewa
8- Kanake
9- Kava
10- Kakwi/Kakunyi
11- Kuthu-Kathulu
12- Kithulumune (Agosto)

Já a terminar, quando a conversa bem encarrilada parecia não ter fim, contrariamente ao relógio que caminhava apressado, o mais velho (Platão da Kibala) falou sobre os jovens que querem saber tudo num único instante, sem estimular a abertura da "biblioteca".

- Para cortar a barba de um idoso é preciso jeito. Os jovens têm de ter paciência em procurar pelos mais velhos, estimulá-los à conversa, e evitarem vir com perguntas para responder de forma apressada. É preciso sentar, contar mahezu* e conversar. - Assinalou, ao mesmo tempo que agradecia o empenho deste articulista na recolha e divulgação de "sentimentos, conhecimentos e fazeres do nosso povo".

* Conversa introdutória, semelhante a yala nkuhu (Kikongo). Nela, cada parte faz uma revista sobre o estado de saúde, o motivo da viagem/visita e os últimos acontecimentos de cada parte.


segunda-feira, agosto 17, 2020

NGOYA: CONSTRUTO INACABADO OU ADIANTAMENTO NA ACULTURAÇÃO?

Um dia depois do Live no Kubico que juntou Kumbi Lixya, Man-Prole e Bessa Teixeira, um dos programas de entretenimento da Televisão que "É nossa" estendeu o sinal ao Sumbe para perguntar ao jornalista local sobre o impacto do Live na capital cwanza-sulina, tendo a jovem apresentadora iniciado por perguntar "como se dizia boa tarde em língua local".

O jovem, sem pestanejar ou recorrer ou que já teria ouvido bastas vezes, atestou que "em ngoya é mesmo mboa tali" , quanto a mim, uma kimbundizacão de boa tarde (Pt).
Perante tal desfeita aos mais velhos, cultores de nossas línguas (principal elemento dignitário de um povo), aos investigadores e cientistas das línguas; tal "desfeita" e tão banal quanto foi só me pode levar às seguintes hipóteses:
a) Que a língua ngoya que se apregoa existir no Sumbe, e que pelas ondas da RNA pretendem tornar extensiva a todo o Kwanza-Sul, é uma invenção inacabada, portanto, inexistente;
b) Que, caso mui remotamente tivesse existido, seria a língua angolana mais avançada na sua perda de identidade ou acomodação de lusitanismos, ao ponto de deixar de conter no seu léxico uma simples saudação; ou, na pior das hipóteses;
c) Que tal povo e língua "ngoya" são pós-dependência de Angola e a tatear ainda na construção e composição do seu "corpus identitário" em que se posicionam a língua autónoma e demais elementos identitários periféricos.

Uma casa inacabada é um projecto que pode dar em casa ou em nada. Portanto, não façam os incautos "pescar" um pedaço de canoa náufraga, confundindo-o com bagre. As línguas têm léxico próprio, têm vida...

Eme nganange. Eye phe? 

Muphe nga, kwimuna kwi?

domingo, maio 03, 2020

"O MEIO É A MENSAGEM"?

(Tentativa de desconstrução de McLuhan)
Percorrendo o caminho da media que demanda  emissor-mensagem-meio/canal-receptor e feedback, verificámos que o meio de comunicação formal mais antigo é a imprensa ou seja o texto. Ao texto, o desenvolvimento técnico acrescentou a imagem estática (foto).
Posteriormente, a voz foi acrescida ao texto e surgiu a radio (é mais expressivo e imapctante ouvir do que ler uma citação). Mas não era tudo. Ao texto e à voz foi adicionada a imagem dinâmica. Apareceu a televisão, um meio muito mais impactante do que seus predecessores.
Porém, não era ainda tudo. A internet e as redes sociais, vieram dar velocidade e maior alcance, atingindo um público global e eliminando os condicionamentos de distribuição. É, deverás, impactante.
Quando o filósofo MacLuhan diz que "o meio/veículo é a mensagem" não o diz de forma literal, pois, é consabido que mensagem é mensagem e o meio é o canal por onde ela, a mensagem, é feita circular (desde a antiguidade que não se confunde a mensagem e o mensageiro).
"O meio é mensagem" significa tão somente que o meio influencia o impacto da mensagem sobre o destinatário (uma coisa é dizer o homem chorou ao ser morto, outra é ouvi-lo chorar. Outra ainda é ouvi-lo e, simultaneamente, vê-lo chorar).
O meio/canal também influencia o modelo de concepção (empacotamento) da mensagem, pois imprensa, rádio, Tv e, hoje, as redes sociais têm formatos diferentes de concepção das mensagens.

segunda-feira, abril 20, 2020

LUCIANO CANHANGA (C.V.)

CURRICULUM VITAE 
LUCIANO ANTÓNIO CANHANGA
Principais Qualificações:
_____________________
·     Experiência em Comunicação (Jornalismo, Marketing, Assessoria de Imprensa), Docência e Gestão de Capital Humano.

Formação Acadêmica:
· UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA, PORTO, PT
Mestre em Ciências Empresariais, 2020. 
Tema: A Falta de Motivação e o Impacto nos Colaboradores: um estudo de caso no Ministério da Geologia e Minas 
FACULDADE DE AGUDOS, BRASIL
Pós-Gradução em Gestão Empresarial com foco em pessoas, 2015
·         Universidade Privada de Angola
Graduação em Comunicação Social                                           2008
·         Instituto Superior de Ciências de Educação
Didáctica de História (4º ano),                                                     2004   
·         Instituto Médio de Economia
Jornalismo,                                                                 1996                                             

Experiência Profissional:
_____________________
Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás:
- Director do GTICI- 2020 ... 
- Director do GCII, 2018 a 2020 
Ministério da Geologia e Minas:
- Director do GRH, 2015-2018
Sociedade Mineira de Catoca, Lda:
- Assessor da Direcção de Organização e Pessoas, desde 2015 
- Chefe do Sector de Comunicação e Imagem de 2007 – 2015
- Chefe de Secção de Comunicação, Relações Públicas e Protocolo 2006-2007 
Luanda Antena Comercial:
- Jornalista e Editor de 1996 - 2006
Rádio Difusão Portuguesa/Canal África
- Correspondente em Luanda,  de 2004-2006

Jornal de Economia & Finanças
- Colunista desde 2022
Jornal de Angola
- Colunista (com pseudónimo Soberano Kanyanga) desde  2017
Jornal Nova Gazeta
- Colunista desde 2015
Jornal Cultura
- Colunista, desde 2014
Semanário Angolense
- Colunista de 2014 a 2016
Semanário Cruzeiro do Sul
- Jornalista e articulista, 2009-2010
Jornal Expansão,
- Colunista
Instituto Superior Técnico de Angola
- Professor de Rádio e História do Jornalismo Angolano, desde 2015-2020
Instituto Superior Politécnico Lusíada da Lunda Sul
- Professor de Língua Portuguesa, de 2013-2015
ULAN/Escola Superior Politécnica da Lunda Sul
- Professor de Língua Portuguesa, de 2012- 2015
Igreja Metodista Unida-Moisés (Clube de Amigos do Jornalismo)
- Professor de Língua Portuguesa e Técnicas de Reportagem e Redacção, 1999-2001
Ministério da Educação:
- Professor primário, escola 524, 1996 -1998
Cursos Complementares:
__________________________
- Introdução à Administração Pública, ENAD, 2015
- Gestão de RH na Administração Pública, ENAD, 2016
- Planificação e Gestão da Formação, ENAD, 2017
- Gestão e Liderança de Equipas, INSIGNIS WEST; Lisboa, 2016
- Mini MBA sobre Administração e Gestão de Empresas, Catoca & Vantagem Mais, 2010.
- Relações Públicas Empresariais e de Estado, GESTINFOR, 2007
- Gestão de Crises, Catoca, 2006
- Gestão de Projectos, Catoca, 2007
- Avaliação de Desempenho, Accenture/Catoca, 2010.
- Gestão Moderna, Catoca & C4E, 2009
- Jornalismo de investigação, Banco Mundial e Centre WANAD, Bamako, 1998.
- Língua Portuguesa para jornalistas (Propedêutico), Univ. Catol. Angola, 2003.
- Jornalismo eleitoral, RTP e CEFOJOR, Luanda, 2005.
- Jornalismo digital e novas tecnologias de informação, Fund. Gulbenkian e Univ. Católica Portuguesa, 2005.
- Relações Económicas ACP-UE, Bruxelas, Bélgica, 2003.
- Oficina de Jornalismo, Saurimo, 2007.
Obras literárias
_________________________
- O Sonho de Kaúia (romance), editora Mayamba, 2010; 
- Manongo-Nongo (Contos), TamodaEditora, 2012;
- 10Encantos (poesia) edição de autor, 2013;
- O Relógio do Velho Trinta (romance), Odracir/G.P.Bié-2014),
-O Coleccionador de Pirilampos (contos), LeyAngola-2014
- Canções ao vento (poesia) Creative by arp- 2015
- Amor sem pudor (poesia), Creative by arp-2018;
- As travessuras de Jack (novela) Tm Editora, Br, 2018
- Antologias: Angola (2), Portugal (1), Roménia (2), Brasil (1), África do Sul (3) e Chile (1).

Artigos:
___________________
- A língua dos Kibala, Semanário Cruzeiro do Sul, 14 Novembro/07
- A língua dos Kibala: Kimbundu ou Ngoya?, Jornal Cultura, 24 Julho/16
- Os ambundu do Kwanza-Sul: delitos, transgressões e penalizações nas aldeias rurais, www.kalulo.com/index.php/cultura/antropologia
- Circuncisão entre os Kibala e Lubolu (iden)
- Visão do Estado Angolano sobre autoridade tradicionais (iden)
- Pescas fluviais no Lubolu e Kibala (iden)
- A indústria Rural dos Ambundu do Kwanza-Sul (iden)
- A caça entre os Lubolu e Kibala (iden)
- USOÑONA: Acto matrimonial entre os Lubolu, Kibala e outros ambundu do K.Sul, Jornal Cultura, 13 Maio/17

Blogues temáticos:
_____________________

Línguas:
_____________________
·         Português
·         Inglês (B1)
·         Francês (noções elementares)
·         Kimbundu
·         Umbundu
·         Ucokwe (noções elementares)

domingo, março 08, 2020

DÚVIDAS E RECURSO À ORALIDADE PARA DATIZAÇÃO

O meu primo (irmão de todos os momentos) Sabalu-a-Soba e eu sempre tivemos dúvida em relação ao ano de nascimento do outro.

Ele, meu mais velho de 7 anos, pensava que fui trazido à luz em 1973.
- Dizes coisas que aconteceram há muito tempo quando, feitas as contas, ainda não devias ter atitude racional. - Costuma afirmar, quando em meio a conversas regadas falámos sobre o passado e as memórias.
- Não podes ter nascido em setenta e quatro, lembrando-se de coisas de setenta e cinco e setenta e seis. - Argumenta.
    

Por outro lado, a minha mãe sempre dizia que a progenitora dele (Sabalu-a-Soba) estabelecia um largo intervalo entre um filho e outro. Sabendo eu que a irmã mais nova dele é de 1968, pois foi minha colega de escola e turma, sempre inculquei na minha mente que o mano Sabalu-a-Soba só podia ser de 1966.
- Ó mano, vê ainda a diferença de idade entre o mano Kakonda e mano Ngunza; mano Ngunza e você e repara agora no intervalo entre o mano e a mana Kakulu. Um ano só? Temos de rever essas datas. - Tenho atirado.


Dúvidas por lá, que nunca chegamos a debater até à exaustão, e grande amizade e companheirismo que nos acompanham desde que ele me viu nascer. Já fui seu aluno, em 1984, na Escola Grande da Terra Nova,  em Luanda (sala 18).

Aproveitando a folga que permite o Estado de Emergência, decretado em Angola desde o dia 26 de Março 2020, devido à pandemia da Covid-19, fui revisitando a memória e rebuscando outros nomes por que éramos chamados e que coincidem com os dias de semana em que cada um de nós nasceu.

Ele, Sabalu-a-Soba, nasceu num sábado. Por isso é Sabalu. O sufixo "a-Soba" significa filho do Soba.

Fui aos calendários dos anos de 1966, 1967 procurar qual dos anos tinha o 7 de Janeiro a coincidir com o Sábado. É o de 1967. Dúvida resolvida. 
- O mano/professor teve sempre razão. - Falei para mim mesmo. 

Busquei, depois, por aquilo que seria o meu verdadeiro ano de nascimento. Apesar de gerados por mães iletradas, os nossos pais eram letrados e avisados. Jamais se esqueceriam do dia e mês de nascimento, mas questões académicas e militares (retardamento da chamada para o serviço militar obrigatório) podia tê-los impelido a recuar ou avançar o ano registado como o de nascimento.
Ora, lembrei-me então que tenho uma prima, a Fátima, que é minha mais velha de apenas uma semana. Sempre brigámos e brincámos até hoje sobre "quem é mais velho de quem". Ela nasceu num Domingo anterior ao meu nascimento. Fui procurar os domingos de 1973 e não coincidiam com 18 nem 19 de Maio (pois sou de 25 de Maio). 

Busquei o ano de 1974 (que sempre defendi) e verifiquei que 25 de Maio era exactamente sábado, sendo que no domingo anterior, dia 19, nasceu a Fátima (minha mais velha de apenas uma semana).

Pronto está explicado. Haverá muita gente ainda com data de nascimento calculada. Felizmente, nem o mano Sabalu-a-Soba nem eu Phande-a-Umba estamos nessa situação. Quem tenha ainda dúvidas sobre o ano exacto em que nasceu pode perguntar aos progenitores ou aos mais velhos da aldeia o dia de semana em que foi trazido à luz. Com o uso do telefone ou computador consulte os calendários e desfaça eventuais enigmas.


quarta-feira, janeiro 01, 2020

OS INÚMEROS SIGNIFICADOS DE MORTE NO KIMBUNDU DO LUBOLU E CERCANIAS


ÚHA=morte

Em línguas europeias, a morte (do latino mors) refere-se ao processo irreversível de cessamento das actividades biológicas necessárias à caracterização e manutenção da vida em um sistema outrora classificado como vivo. Ao que, após o processo de morte, o sistema não mais vive. Os processos que seguem-se à morte (post mortem) geralmente são os que levam à decomposição dos sistemas.
Já as línguas bantu e concretamente o Kimbudu (variante do Lubolu e cercanias), a expressão morte (úha) tem outras conotações parciais que podem ser somente falências de órgãos parciais e/ou metaforização de objectos sem vida.
Wahi meso = morreram-lhe os olhos (é cego)
Inama kyamuhi = morreu-lhe a perna (contraiu deficiência no pé/perna)
Wahi ilenji = tem a sombra morta (metáfora: perdeu a elevação peniana)
Okalu/dikalu lya muhila munjila = morreu-lhe o carro pelo caminho (avariou-se-lhe o carro pelo caminho).
Mungaj'ê, uwaba kuha! = a beleza da mulher dele é como a “morte” (a beleza dela é infinita)!