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domingo, dezembro 26, 2021

NO SEMINÁRIO DA AJECO & SNL

Assim dissemos: 

"Um Bom Jornalista não quer ser apenas o 1° a informar. Quer ser aquele que veicula a informação completa e isenta, ouvindo as partes envolvidas e evitando a rectificação. 


Ouçam-nos (enquanto assessores). Contacte-nos previamente e não apenas na hora do fecho do jornal  para escrever: 'tentámos e não obtivemos resposta'. 


O assessor é ponte. Não é ele o detentor do conhecimento total, por isso, tb precisa de tempo para se informar".

LC.23.12.2021

sexta-feira, novembro 05, 2021

LONGESO

Desde que o "Jornal de Sábado" foi ao Wambu fazer e transmitir as notícias daquele dia, a partir de Mbalundu, que o longeso¹ passou a ser assunto de comentários e "interesse nacional, sobretudo por parte dos adyakime².

Quando pequeno, nas hortas do Limbe³ e, mais tarde, de Kalulu, sempre que desbravasse a terra, surgiam pequenos tubérculos saídos quase que do nada. Pequenos, comparados a grãos de jinguba⁴, nunca tinham desperto a nossa atenção, salvo raras excepções de alguns mais velhos que, à escondida os lavavam e experimentavam, sempre longe de nossos olhares.
Foi depois da RNA ter, em crónica, anunciado que "Mbalundu era o único município do país onde se podia encontrar os [super-afrodisíacos] longeso" que comecei a rebobinar a minha longa metragem de recordações até chegar a ele.
Bem atrás de minha casa, em Viana, está a centenária Lagoa de Terembembe aonde os homens canalizam, hoje, todas as águas pluviais e urbanas de Viana. Onde haja água e terra há longeso!
Quem quiser comprar, pode procurar-me para ganhar a capacidade metralhadora e de "produção gemelar". Tenho uma honga⁵ de longeso.

=
¹ Tubérculo de uma herbácea cujas folhas se podem confundir com as de alheiro, presente nas zonas baixas e ribeirinhas.
² Mais velhos (Kimbundu).
³ Aldeia (extinta) da comuna da Munenga, ficava a dois Km da actual Pedra Escrita, na EN120.
⁴ Amendoim.
⁵ Lavra em terreno plano e ou baixo. Horta.

quinta-feira, outubro 07, 2021

LAMBIJI E CONDUTO

- Ombelela nyê?!- Perguntava o tio Vinte e Cinco à mulher, sempre que chegasse da tonga¹.

- Lambiji kihi, Elombo?! - Indagava, igualmente, o meu pai, antes dos amicíssimos juntarem as jantas, uma noite em casa do tio Vinte e Cinco e outra em nossa. Era assim religiosamente.
Porém, o vizinho Cacebola, um ovimbundu que tinha estudado um pouco mais e que era capataz (ajudante do gerente), preferia pronunciar o termo conduto para se referir ao que acompanhava o pirão.
Era fuba de milho, feijão e peixe seco amarelado ou acastanhado que o "patrão-Estado" continuava a distribuir aos camponeses da fazenda. Estávamos a finalizar a década de setenta do séc XX.
www.mozindico.blogspot.com faz referência a conduto (Angola) como "iguaria" acompanhante, sobretudo para o pirão/funji e outros alimentos.
No meu consciente, o termo entra por volta de 1978, quando a minha família se mudou de Kitumbulu (fazenda de meu avô Fernando Ndambi) à fazenda Israel (comuna da Munenga).
Os trabalhadores ovimbundu da fazenda (rebaptizada Hoji-ya-Henda) usavam termos como pirão em vez de funji e conduto para a iguaria acompanhante.
Até então, o termo familiar, no "nosso Kimbundu de Kuteka", era lambiji².
Se calhar, por ser um povo ribeirinho (Longa), o peixe tenha sido o principal conduto de sua dieta, fora os vegetais que, senso geral, recebiam a designação de lambiji.
Genericamente, lambiji/ mbiji podia ser peixe, verduras, insectos (grilos, cigarras, térmitas/salalé, gafanhotos) ou carne.
- Lelo, lambiji kihi?³
- Lambiji xiwe!⁴
Ombelela era/é outra expressão usada pelos ovimbundu com quem privei na infância para se referirem à iguaria acompanhante do pirão.
O termo conduto vem ganhando força e "expansão nacional", impondo-se no léxico da Língua Veicular (Pt). Porém, é mister assinalar e registar as particularidades de cada região e povo, no que diz respeito às suas particularidades sociológicas e linguísticas, pois a construção do todo nacional passa, indubitavelmente, pelo "eu" de cada comunidade.
O angolano Carlos Figueiredo, professor e investigador de História e Linguística do Libolo, diz que "conduto é termo português, bastante usado no norte de Portugal, sendo que o seu uso em Angola terá a ver com as fases da colonização das diferentes áreas da então colónia, pois o termo era comum no Português da Idade Média. Note-se que a colonização de Benguela Nova (actual Benguela) e Planalto Central, ou seja das zonas Ovimbundu, dá-se a partir do início do séc. XVII, ou seja, quando ainda se falava o português do período clássico. Esta ocupação é muito anterior à colonização do interior do Cuanza-Sul, que vai acontecer apenas no final do século XIX, quando já se fala o português moderno. Portanto, no Libolo, a palavra “conduto” foi usada também para definir a ração dada pelos colonos aos trabalhadores..."
Fernanda Bandos, portuguesa, acrescenta que "conduto é um termo usado pelos meus avós portugueses, mas que tem sido substituído pelo termo acompanhamento em muitos restaurantes em Lisboa..."
Por seu turno, o kisongoense (Libolo) Artur Cussendala recorda que, na sua aldeia, "todo o acompanhante é tratado genericamente por mbiji (peixe)".
O escritor e pesquisador social Gociante Patissa, quando solicitado a debitar sobre a expressão mbelela/ombelela, explica que "conforme as variantes do umbundu, mbelela ou ombelala podem referir-se exclusivamente ao conduto que tenha a ver com carne (de animal), passando o resto a integrar a categoria de "lombo", o que abarca também peixe e feijão. [É assim] na região de Benguela, os considerados vacisanji e vasale (estes últimos mais próximos do Kwanza-Sul)".
No leste/nordeste de Angola, onde predomina a língua Ucokwe, ikasa é o designativo do acompanhante de xima⁵. O poeta e jornalista João De Figueiredo Wassamba confirma que tal nome genérico "aplica-se a carne, peixe verduras, insectos e demais acompanhantes".
=
¹- Empreitada, parte distribuída, na fazenda, como empreitada diária.
² Condutor/acompanhante.
³ Hoje, qual será o acompanhante/conduto?
⁴ Será (carne de) paca.
⁵ O mesmo que fuji para os ambundu. Os tucokwe comem, preferencialmente, pasta feita de farinha de mandioca (fuba de bombô).

quinta-feira, julho 08, 2021

MINHA TESE DE MESTRADO JÁ DISPONÍVEL AOS ESTUDIOSOS

https://bdigital.ufp.pt/handle/10284/9577

A falta de motivação e o impacto nos colaboradores: um estudo de caso no Ministério da Geologia e Minas



sábado, junho 26, 2021

O NOVO FORMATO DO GTICI E OS DESAFIOS PARA A SUA GESTÃO

(Reflexão em esboço)

O Gabinete de Comunicação Institucional, enquanto órgão dos Organismos Centrais da Administração do Estado Angolano, foi instituído pelo DP nº 230/15 de 29 de Dezembro, tendo este sido revogado pelo DP nº 3/18 de 11 de Janeiro que retoma algumas de suas atribuições e competências.

A Estratégia do Presidente João Lourenço que consiste em tornar dotar a "organização da Administração Central de racionalidade e eficiência no realização do serviço Público ... reduzindo ao mínimo a existência de conflito de interesses e de competências, bem como buscar maior racionalização da despesa pública" fundiu alguns ministérios, levando estes a diminuírem, por via da extinção e fusão, alguns órgãos Executivos Directos (direcções) e órgãos de apoio técnico (Gabinetes), trazendo desafios para os Ministérios e seus Líderes.

Nessa "nova era", tive o grato prazer de ser o primeiro ocupante do cargo de Director de um Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa a entrar no debate (interno), pois o Organismo a que presto serviço, o MIREMPET, foi o primeiro, por iniciativa do seu titular, Diamantino Azevedo, e antes mesmo da reforma dos OAPR vide DLP nº 4/20 de 01 de Abril, a promover um debate interno para o enxugamento dos seus órgãos directivos, extinguindo uma Direcção Executiva e fundindo dois Gabinetes (GTI e GCII).

Agora que se universaliza a fusão entre o GTI e GCII ao nível dos Órgãos Centrais da Administração do Estado, há um debate novo que se adensa, procurando saber quem, entre os experimentados  na elaboração e transmissão da mensagem (comunicólogo/jornalistas) e os experimentados na facilitação do caminho/via para a expedição da mensagem (informática/telecomunicações e afins) deve dirigir a área que atende pelas Tecnologias de Informação e Comunicação Institucional?
. Quem se afigura como "melhor especialista" para gerir o Gabinete de Tecnologias de Informação e Comunicação Institucional (GTICI?
Entendamos  que o director de um órgão ministerial está no nível intermédio de responsabilidade, ou seja, entre o nível estratégico (Direcção Central) e o nível operacional. Actua no nível táctico, podendo/devendo auxiliar os extremos. Se o nível Estratégico entender/dominar as ciências de telecomunicações/informática ou possuir um assessor para tal, sugere-se que "poupe" suas energias, deixando confiando a direcção do GTICI a um especialista em Ciências da Comunicação. A isso se acresce também a qualidade dos técnicos disponíveis, pois a experiência e autonomia dos técnicos disponíveis versados em tecnologias de informação e em comunicação influenciará a escolha do perfil do director do GTICI (que, em teoria, deve ser aquele que detém maior conhecimento e experiência na área mais carenciada  entre Comunicação e Tecnologias).
Se a maior necessidade/fraqueza da Direcção Estratégica for em Comunicação, o ideal é que a direcção táctica seja confiada a um entendido em comunicação/jornalismo (assim agiu o MIREMPET). Caso seja o inverso, o melhor conselho será capitalizar/reforçar o GTICI com um director versado em Tecnologias de Informação (valendo-se da autonomia dos técnicos do Departamento de Comunicação).

Por outro lado, dirigir é, acima de tudo, programar, distribuir, acompanhar, supervisionar, conferir, corrigir e aperfeiçoar (kai zen). Significa que um gestor visionário, com uma equipa competente (no caso duas, DTI e DCI), mesmo que não seja estudioso e executante de ciências da comunicação ou tecnologias de informação pode, com ou sem constrangimentos maiores, dirigir o GTICI.

segunda-feira, maio 03, 2021

DIVERGÊNCIAS ENTRE JORNALISMO E PUBLICIDADE NUM MEDIA

As NOTÍCIAS são, regra geral, o principal produto de um órgão de comunicação social convencional, sendo, por via da qualidade/quantidade e precisão com que são divulgadas as notícias que se aumenta o share(quota aparente de mercado) do referido órgão. Essa quota mediática é que atrai ou não maior ou menor adesão dos anunciantes publicitários ou a compra de espaços no órgão.


Acontece, por outro lado, que as noticias não são, na verdadeira essência, vendáveis e , mesmo na media imprensa, as vendas dos jornais mal pagam a gráfica e muito menos os salários dos jornalistas e outros trabalhadores e serviços da organização.

Apesar de as noticias serem o grande atrativo dos leitores/telespectadores/ouvintes e concomitantemente a adesão das empresas que compram espaços para os anúncios publicitários, é esta (a publicidade) que suporta as despesas em salários, matéria-prima, equipamentos, etc., tratando-se de órgãos de comunicação social que vivam de rendimentos próprios.

Para além das questões de fórum legal (incompatibilidades prescritas no Estatuto do Jornalista e Lei de Imprensa), é aqui que surge o problema/choque de interesses entre os jornalistas e os zeladores/executantes de publicidade. Há antagonismos funcionais entre os dois Departamentos (Jornalismo e Publicidade) num órgão, devido ao conflito de interesses.

Os jornalistas estão comprometidos com a verdade e as notícias, independentemente da qualidade de quem as produza (seja anunciante ou não).

Os zeladores de publicidade estão mais preocupados em manter os contratos com os anunciantes e de manter as boas relações com estes, evitando qualquer ruído na relação que possa beliscar o negócio.

O que acontece quando um grande anunciante é protagonista duma notícia a ele desfavorável e difundida pelo Departamento de Jornalismo?

1-      O anunciante queixa-se ao seu parceiro comercial, Departamento de Publicidade, atestando deselegância do órgão em não o ter protegido e ameaça retirar a publicidade.
2-      O Departamento de publicidade atira-se contra o Departamento de Jornalismo, alegando interferência negativa no negócio.

3- Há vezes em que a busca de equilíbrio entre a necessidade de manter o contrato com o cliente/anunciante e a satisfação da reclamação deste leva, algumas vezes a sacrificar o jornalista com processos disciplinares forjados e sua retirada temporária do espaço mediático.

EXPERIENCIA PESSOAL

Uma vez (terá sido em Julho de 2002), quando me encontrava diante duma agência do BFE (Angola), apareceram numa carrinha homens da EDEL (empresa distribuidora de energia de então) e polícias com mandado para proceder ao corte de energia naquela agência, situada na Joaquim Capango, em Luanda. 

Enquanto jornalista e Editor de notícias da Rádio Comercial, entendi que se tratava de um caso quase insólito (os factos ganham relevo noticioso pelo insólito). O banco tinha anunciado, dias antes, a doação de meio milhão de dólares americanos para ajudar o processo de paz iniciado a 04 de Abril, com a assinatura do memorando do Luena, um mês depois da morte do líder guerrilheiro.

Servindo-me do telefone, fiz uma peça que foi transmitida no noticiário principal da emissora.  Na peça, para além dos clientes do banco que estavam “estar passados” com a situação (na altura eram enormes as filas nas agências bancárias), ainda foi ouvido o chefe daquele piquete que exibiu a ordem de serviço e foi abordado o gerente que não quis prestar depoimentos.

O pior da história foi que o citado banco era dos principais anunciantes na rádio em que eu trabalhava e o seu PCA, ouvindo a notícia, que julgou "beliscar a imagem da sua instituição", ligou ao Departamento Comercial da Rádio ameaçando que retiraria a publicidade por não ter sido resguardada a imagem da sua instituição.

Eu que, jornalisticamente, tinha vivenciado o facto e observado o contraditório, ouvindo as partes e testemunhas, acabei sendo julgado pelo “meu chefe” como sendo culpado da situação, e tratado como "mentiroso" ou procurando atingir fins inconfessos. Um processo disciplinar foi-me instaurado e suspenso das minhas funções daquele dia até à conclusão do processo conduzido por um meu subordinado e com habilitações literárias inferiores às minhas.

Quinze dias depois, saiu o veredicto:

- Perde a condição de Editor
- Fica sem o subsidio de editor (que nunca tive antes do caso)
- Censura registada.

Esta crónica vem a propósito dum post do meu amigo Yuri Simão, no face book, sobre empresas gigantes com contas de água por saldar.

Há gigantes financeiros com muitas continhas por saldar. E pior é que não entendem ser direito do credor proceder ao corte do fornecimento.
Vezes há em que arranjam um bode expiatório para as suas distrações, como foi o caso acima relatado.

sexta-feira, abril 09, 2021

O COCOTO[1] QUE DIZIMOU OS PIOLHOS

Um conterrâneo da Kibala, recuando no tempo, narrou episódios da nossa infância que é transversal a uma geografia que envolve os municípios à volta do Libolo e Kibala e num tempo que, se calhar, morre em 2000, podendo prolongar-se em algumas aldeias recônditas. É o nosso feudalismo que pouco há de escrito, dada a fraca imersão na nossa etno-sociologia e etnografia.

Quando nos debruçamos a estudar a história clássica e medieval de Roma e Grécia, recaímos, invariavelmente, em episódios angolanos do Séc. XX, em nossas aldeias interiores.
É exemplo a mãe que "cata" piolhos ao filho, aproveitando adormecê-lo, podendo usar duas fórmulas: cantando e catando.
Vivi esse tempo. Algumas mães, no escuro da noite, sem saber se o achado por seus dedos entre o cabelo alto e sujo é ser vivo ou grão de areia, levavam-no ao dente e largavam depois, um rio de saliva.
Vivi ainda do tempo da bitacaia[2], pulga de javali ou porco doméstico que adentrava os terminais de nossos dedos e calcanhares. A comichão, lenta e incómoda, resultava em dor da ferida escancarada, depois de extraído o animal hóspede oportunista com a ponta de um alfinete ou de um pau aguçado.
Mas o meu conterrâneo contou mais e recordou-me o seguinte:
Noite sem luar na Kibala ou outra aldeia do circuito ambundu kwanza-sulino. Nas terras mais a sul e ou norte o cenário também pode ser idêntico.
O archote é lamparina na cozinha escura. A kizaca, peixe de agua doce ou carne de caça ferve na panela de barro. Há fumo largado pelas lenha que reclamam por mais dias de seca ao sol. Mas quando a lenha seca rareia em tempo de chuva é a semi-seca que se leva à fogueira. No escuro e fumegante da cozinha a mãe pede:
- Mwiha mwombya (alumiar para a panela).
Na atrapalhação, o rapaz tanto alumia como deixa cair na panela a ponta do archote ardido, já em forma de cinza.
- Nzayá, matubá, matondoá![3] -Dispara a mãe impaciente, complementando a emenda com um valente "coco" que mata uma dúzia de piolhos e lêndeas na cabeça do infante.
- Kwolule (não grita). - Adverte, prevenindo para que não se acabem, de uma só vez, os piolhos todos na cabeça com outros cocoricos.
Terminada a confeção do "kondutu"[4], é a vez da panela do funji/pirão. O cuidado é redobrado. Em fuba branca, a cinza preta do archote é vinho tinto em toalha imaculada.

- Mwiha kyambote. - Adverte a mãe.
E o infante, com um grito adiado ou reprimido da primeira pancada, lágrimas do fumo nos olhos, comichão na cabeça dos piolhos famintos de sangue, acende, de novo, o archote que aproxima delicadamente à panela de barro para a qual o fogo chia.
- Mwiha!

- Ñi mwiha a mama!

- Mwiha kyambote.

Depois o repasto: as meninas na cozinha ou fora dela, no terreiro da casa, com a mãe, quando há luar. Os homens na sala ou no njangu. Rapazes juntos.

O rapaz quando não vai à escola da vida, o njangu, volta a reclamar o carinho materno, "lambicando" como cão que se deita sobre a cinza quente da fogueira recente. Dobra-se à frente da mãe que "jijina"[5] lêndeas, piolhos ou grãos de areia escondidos no cabelo a reclamar por uma tesoura.

Contando anedotas, ou canções do seu tempo de menina, a mulher afugenta os males e a infra vida que a pobreza impõe, adormecendo o infante para uma nova aurora e lavoura.

Tal como a geração do último quartel do Séc. XX, as nossas crianças continuarão a ler a história clássica e o feudalismo greco-romano. Quanto às nossas vivências, que são recentes, restarão poucas crónicas!


Soberano Kanyanga



[1] Golpe na cabeça com o punho cerrado.

[2]  Insecto díptero da família dos tungídeos.

[3] Despautério.

[4] Acompanhante.

[5] Acaricia. Faz cafuné.

quarta-feira, março 17, 2021

TOMA LÁ vs LEVA LÁ

Há 45 anos que oiço e reflito sobre as expressões "toma lá" e "leva lá", trazidas pelos donos da língua que uso para essa comunicação e que ganharam espaço nas aldeias interiores de Angola, com realce para o Lubolu e arredores.

"Úlevala" é corruptela de leva lá;
Wazala "itomalá". Itomalá é corruptela de toma lá.
A minha imersão comunitária (etnografia) comprova que os cantineiros lusitanos espalhados pelo sertão angolano costumavam usar a expressão "leva lá" quando dessem o produto a crédito, o chamado vale. A expressão implantou-se, popularizou-se e ganhou o sentido de fiado.
Quando os comerciantes dessem um rebuçado ou outro produto/artigo de oferta, a expressão que usavam era "toma lá". Dado que os produtos/artigos ofertados eram, regra geral de baixa qualidade ou baixo preço, a população, na sua criatividade, foi apelidando objectos recebidos de oferta, sobretudo os de baixa qualidade por "itomalá". Daí a expressão "wazala/wazwata itomalá" (vestiu algo ofertado e de baixo valor).

quinta-feira, fevereiro 04, 2021

KATALAMBA

 WATUNGU KUKUNDA KWENGANGA WOBATA!

(Literalmente: quem constroi  atrás seguiu a Kinganga): o aforismo kibala-lubolense reporta-se, entre outros, a uma vertente do crescimento populacional das aldeias kwanza-sulinas.

A genesis das aldeias rurais tem como base o núcleo familiar. Regra geral, um emigrante em busca de terra fértil, pasto, faina ou paz espiritual depois de atritos na aldeia de origem, constitui uma nova comunidade residencial. 

Esse patriarca, com seus filhos, esposas e sobrinhos, funda a aldeola que, com o tempo, cresce (à medida que os filhos e sobrinhos forem constituindo famílias e atrairem outros parentes e amigos para o novo conglomerado habitacional.

A relacão consanguínea faz com que os casamentos dos constituintes, regra geral, se façam com pessoas de outras aldeias próximas e/ou distantes que não sejam de mesma linhagem. 

Surge aqui a figura de katalamba¹ que é incontornável num kixobo².

Parente e ou amigo/a do casal, o/a katalamba é o/a emissário/a do noivo que, no dia do kixobo, se mete a caminho da aldeia de da noiva, levando-a, em companhia da tia desta ou outra representante de sua família, à casa do noivo.

Pelo caminho, mostra-lhe e conta-lhe estórias e história sobre os hábitos e costumes da sua família , sobre os rios, coutadas, bens físicos  e espirituais, permissões e proibições, famílias amigas e inimigas, entre outros aspectos de vida familiar e comunitária. 

A/o katalamba é geralmente bem recebido em casa da nubente e tratado como interlocutor válido/a do seu representado.

Há outros ritos de baixa variabilidade de aldeia em aldeia que, regra regal, consistem em entornar um pouco de kisângwa³ e óleo de palma em cada entroncamento, representando o manifesto de paz com todos quantos trilharam e venham a trilhar aquele  caminho e fartura à nova família.

Terminada a cerimônia matricial, uma noite dançante, com fartura em funji de carne, regada com makyakya⁴ e wala⁵, algumas peças do enxoval da noiva são entregues como lembrança a/o katalamba, como prato, garfo, faca, copo e outros possíveis objectos.

O autor desta crônicas foi katalamba no kixobo de Rosa José, em 1996, em Luanda, tendo recebido como lembranças: um prato, garfo, faca, colher  e copo de vidro.


==

1- Emissário/a do noivo.

2- Cerimônia matrimonial.

3- Sumo feito de farinha de milho e adocicado com seiva de uma raiz designada por muxiri ou mbundi (Umbundu).

4- Destilado alcoólico também designado por kaporroto.

5- O mesmo que kisângwa. Garapa.

sexta-feira, janeiro 01, 2021

ISO*

Uma pedra lisa. Um pedaço de pau terminado em V que suporta o peso do engenho. Outro pedaço de pau recto ao que se amarra um cordel que leva numa das extremidades um palito que serve de gatilho.

No interior da armadilha vêmos uma vara à qual se coloca o alimento (isco) atractor dos animais e um palito enterrado no solo e encostado ao suporte terminado em V.
Quando em repouso, a pedra descansa sobre o suporte.
Quando o ardil está engatilhado, a pedra é elevada e suspensa sobre o pau-eixo. A corda com palito faz meia-volta ao pau-suporte, sendo que o eixo com comida é levantado a 2 ou 3 mm e apoiado ao palito enterrado no solo e o pau-suporte.
O animal, ao procurar baixar o alimento, detona a armadilha.
Nesse rudimento de caça primitiva podem ser apanhados ratos, esquilos e pássaros. Há outros maiores (indamba) que apanham javalis, pacas, entre outros.
Local: matas do Zango 5.

* Armadilha rudimentar de pedra