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segunda-feira, julho 01, 2019

À CAÇA DE LUZ E MAKEZU

Em 1978, "Ano da agricultura", já António  Fernando e Manuel Carlos "Xika Yangu ou Raimundo" (primo dele) haviam abandonado a região  de Kuteka, nas margens do Longa, para se fixarem na Fazenda Israel, próximo da Estrada Nacional Luanda-Huambo, gerida na altura por João dos Santos "João Kitumbulu" (tio de minha mãe).
O meu mano Arnaldo Carlos, filho de Xika Yangu, diz que "os dois papás desde a independência que juntavam ideias para se fixarem O mais próximo possível da estrada", sinónimo  de luz e avanço económico.
 
A rodovia asfaltada, concluímos hoje, permite proximidade com os grandes centros. Permite produção autossuficiente, com excedentes colocados à venda, renda, poupança e aquisição de bens industriais. Nesse quesito, o soba Xika Yangu já tinha bicicleta e o filho mais velho, Jorge Kakonda, uma mota Suzuki.
A aldeia de Mbangu-de-Kuteka (perto de 30 km de picada) ou a fazenda nas matas de  Kitumbulu, onde meu pai vivia junto do seu progenitor, nada davam senão a mesmice da mandioca e derivados, pesca e caça abundantes e o café que foi, aos poucos, perdendo peso e valor.
Instalados na fazenda Israel, António Fernando empregou-se como braçal, juntando-se aos contratados ovimbundu, e Xika Yangu tratorista, uma profissão respeitável no trabalho agrícola.
O passo seguinte, conta ainda o mano Arnaldo, seria abandonarem a fazenda e constituírem uma aldeola familiar, no Limbe, perto de quatro quilómetros da fazenda, onde reconstituiriam suas vidas. E assim fizeram em 1980.
A viver no acampamento, privei com outros meninos, filhos de ex-contratados ovimbundu, e com eles aprendi a língua e os hábitos de seus papás, pois em nossa pequena comunidade ambundu o Português era exigido a todo o tempo, já que estava à espreita a entrada para a pré-kabunga.
Assim, conheci a Pedra Escrita da Munenga (que nada tem a ver com a de Ndala Uzu que visitei uma década mais tarde) como suporte que continha/contém um anúncio publicitário da "Estalagem Boa Viagem", que fica no Lussusso, pertença  da família Olímpio, descendentes de São Tomé e Príncipe (conheci um dos donos em 1990, vivendo no Prenda, junto à Clinica/Hospital com o mesmo nome).
Certa vez, estávamos ainda no ano de 1979, "Ano da Formação de Quadros" (e eu ainda não frequentava a escola do povo), Arnaldo Carlos, Sabalo Kambota (primo Zito), Augusto João "Kapayu" mais tarde conhecido como "Gasolina" (filho do gerente da fazenda) e talvez o tio Beto Santos ou Zé Borracha (sobrinho da avó Emília, a mãe do tio Gasolina) decidiram ir à caça de "makezu" ou canta-pedras (uns animais roedores com três  dedos, do tamanho de um gato bem nutrido) no gigante paleolítico conhecido como pedra escrita. Era tempo de capim de altura intermédia,  Fevereiro talvez.
Munidos de cães de caça,  zagaias e flechas e outros utensílios para desalojar os animais de suas tocas, conseguiram uma boa caçada. Ao mais novo, no caso eu, cabia levar alguma das peças abatidas.
De regresso à casa (Fazenda Israel), perto de dois ou três quilómetros, o passo apressado e faminto de adolescentes descompassava com o lento, faminto, sedento e cansado do infante que, aos poucos, os foi perdendo de vista e na distância.
Como perigo não havia, pois sobre guerra nem na rádio ouvíamos ainda falar, eles foram na galhofa andando e pensando que o rapaz os seguia e cedo a eles se juntaria.
Postos no acampamento, Arnaldo e Sabalo (sobrinho da minha mãe), Kapayu e o primo Beto na casa particular de seu pai (havia a vivenda da fazenda que só se abria para trabalho) terão  notado a minha ausência prolongada.
Até hoje, nem o meu mano e amigo de todos os tempos Arnaldo, nem Kapayu que era um tio-amigo, nem o primo Zito (os dois últimos  já não vivem), ninguém me confidenciou se terão  levado alguma reprimenda dos mais velhos. Só sei que fizeram caminho inverso, procurando por mim, encontrando-me dormitando à sombra de um arbusto que crescera no então "campo aviação", meio-caminho entre a "pedra escrita" e a Fazenda Israel (rebaptizada no pós-independência por Fazenda Hoji-ya-Henda). A sede, a fome e o cansaço foram tão fortes que força não sobrara nas pernas e pés descalços sobre areia quente e movediça da tarde ensolarada.

 Quanto à aldeia de Pedra Escrita, que hoje se mostra  junto ao gigante paleolítico, foi obra do comandante António Infeliz João (filho de João dos Santos ou João Kitumbulu) que perante a dispersão pelas lavras dos antigos trabalhadores das fazendas da região e face às incursões dos militares rebeldes (Unita) que entre os ovimbundu encontravam fonte de abastecimento logístico e informações sobre a movimentação das forças armadas angolanas (FAA), decidiu, à força, juntar todos os povos dispersos em um conglomerado no território da fazenda que mais tarde passou a ser sua. Assim nasceu, no início da década de noventa, Séc XX, a aldeia que é das maiores da comuna da Munenga, juntando, para além de povos recuados há muito do Ki(s)songo, Kis(s)ala, Longolo e outras regiões distantes, aldeões de Kalombo, Tumba Grande, Kipela, Kototo e Kuteka.

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