(tentativa de descrição da divisão político-administrativa da aldeia rural tradicionalista)
A vertente "positiva" da divisão político-administrativa do Estado angolano, apresenta-nos o país subdividido em regiões (norte, sul, centro e leste e costeira/oeste), províncias, municípios, comunas/distritos urbanos, cidades, sectores/zonas, quarteirões, aldeias, etc.
Olhando para a organização do que foi/é o potentado de Kuteka, nas margens do Longa, abrangendo territórios adstritos à comuna de Munenga (Libolo) e comuna de Dala Cachibo (Ndala-ya-Xipo, município da Quibala), noto que o soberano (designado rei) exerce poder sobre as aldeias de Hombo, Mbango, Kabombo, Kipela(?) e Mbanze (a capital), podendo cada aldeia ter outras aldeolas (unidades dependentes e de menor aglomeração populacional), podendo ainda subdividir-se em sectores residenciais ou zonas, também designadas (no caso de Mbango) por "songo" (comunidade afectiva).
Sendo "songo" a menor unidade de organização territorial nas comunidades rurais tradicionais, pode equivaler, quando comparada com a comunidade urbana, a bloco ou quarteirão.
Na antiga aldeia de Mbangu-yo-'Teka (Mbangu-de-Kuteka), Kinhendu, Kitinu, Kabota e Zawlena Kilombo, todos parentes próximos eram do "songo/quarteirão" de Ketele, enquanto outros aldeões como Kyuma Albano eram do Nguya.
O "songo" é/era fundado na base de um parentesco mais intrínseco (consanguinidade e/ou amizade pura), credo (religioso ou animístico), origem migratória, ocupação socio-profissional (pescador, caçador, etc.), entre outros quesitos, não estando dissociado de um todo que é a aldeia, unidade administrativa do potentado (reino).
Nessa reflexão/busca, trago à colação um extracto do cancioneiro popular que cita:
"Bu songo yeto twoso twatata, kabwete otuxitila, so tulizek'ayo" (no nosso sector/comunidade todos somos homens, não há quem moa fuba, por isso passaremos noite com fome).
Um exemplo da ex(pers)istência de "songo" é encontrado na aldeia de Pedra Escrita, no Libolo, que cresce por via da migração de povos de aldeias afastadas da via asfaltada para essa, com destaque para os povos de Kuteka que, regra geral, erguem as suas habitações ao lado dos primeiros emigrantes da mesma procedência. Assim, quem se dirige à Pedra Escrita e procure por alguém que tenha nome redundante é questionado sobre a origem do procurado.
Explicando, por exemplo, que "procura pelo domingos do Mbangu" torna-se fácil ao "cicerone" percorrer mental e visualmente o "mapa da aldeia e suas sub-unidades/comunidades" e passar uma informação assertiva.
Voltando ao "Estado" tradicional de Kuteka, verifica-se que o soberano (Kañane ou Phela) exerce poder sobre a população das aldeias acima citadas, e estas possuem jurisdição sobre as terras (cultiváveis e não agricultáveis, montanhas, florestas/muxitu), rios, coutadas para caça, etc. Os limotes do potentado são físicos (acidentes naturais) mas conhecidos por toda a comunidade, sendo sua invasão por estranhos (sobretudo em termos de caça) passível de multas.
O povo desse potentado internaliza aspectos comuns como língua, credos e um sistema de jurídico-administrativo próprio.
Importa aos historiadores contemporâneos resgatarem esses relatos histórico-sociais e político-administrativos das nossas comunidades para que se possa compreender a genesis da estrutura e organização das comunidades rurais tradicionalistas do nosso país.
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