Por: Soberano Kanyanga*
I. Introdução
A província do Kwanza-Sul ocupa uma posição estratégica no mapa etnolinguístico de Angola, situando-se entre dois grandes polos culturais e linguísticos:- Polo Ambundu: Luanda, Bengo, Malanje
e Kwanza-Norte, onde predomina o Kimbundu.
- Polo Ovimbundu: Huambo, Bié e Benguela, com
predominância do Umbundu.
Esta localização faz do
Kwanza-Sul uma zona de transição etnolinguística, onde coexistem variantes
do Kimbundu e do Umbundu, além de falares locais que expressam a complexidade
histórica, social e identitária dos seus povos.
As zonas de transição
etnolinguística são espaços de contacto entre línguas e culturas,
caracterizados por:
- Multilinguismo funcional
- Interferência linguística (lexical,
fonética, sintática)
- Identidade linguística fluida
- Variação dialectal e inovação linguística
Distribuição dos falares por
influência dominante:
Grupo de maior influência
Ambundu (Kimbundu):
- Kibala
- Mussende
- Kilenda
- Hebo
- Lubolu
- Mbwim (Amboim)
- Waku
Grupo de maior influência
Ovimbundu (Umbundu):
- Seles
- Cassongue
- Sumbe
III. O “Falar” da Kibala: Identidade, resistência e reivindicação
A variante do Kimbundu falada
na Kibala e arredores é reconhecida pelos próprios falantes como:
- Kimbundu
- Kimbundu ky’Epala
- Kimbundu kyetu
O termo “ngoya”,
usado de forma pejorativa por povos vizinhos, foi indevidamente promovido como
designação linguística por meios da comunicação social, sem base
científica ou consulta aos verdadeiros detentores do conhecimento ancestral e
zeladores da história oral.
Importa sublinhar que
a designação de uma língua deve estar em harmonia com o nome do povo que a
fala. Assim como se fala da língua portuguesa para o
povo português, da língua francesa para os franceses, ou
da língua ucokwe para os tucokwe, também se deve respeitar essa
lógica no caso da Kibala, onde o povo se identifica como Ambundu e a
sua língua como Kimbundu da Kibala.
“Não basta ser soba para confirmar dados históricos. É preciso ter idade e discernimento necessário.”
IV. Quadro comparativo: Povo e
Língua
Este quadro serve para
ilustrar a coerência entre identidade étnica e designação
linguística, desmontando a falácia da chamada “língua ngoya” atribuída
ao povo da Kibala:
Povo / Comunidade |
Gentílico / Identidade |
Designação da Língua |
Portugueses |
Português |
Língua portuguesa |
Franceses |
Francês |
Língua francesa |
Tucokwe |
Tucokwe |
Língua Ucokwe |
Bakongo |
Bakongo |
Língua Kikongo |
Ambundu |
Ambundu |
Língua Kimbundu |
Ovimbundu |
Ovimbundu |
Língua Umbundu |
V. A Herança colonial e a imposição terminológica
Durante o período colonial,
foi imposta uma hierarquia linguística que marginalizou os falares africanos,
rotulando-os como “dialectos” ou “línguas menores”. A introdução do termo
“ngoya” pela Rádio VORGAN nos anos 80 e pela RNA/Ngola Yetu em 1992 e 2007 não
foi precedida por estudos científicos nem por validação de “Agentes
Autorizados das Comunidades”.
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Min C. Cerqueira, Juiz J. Felismino, Revº Gab Vinte e Cinco e Sob. Kanyanga |
Em 9 de Junho de 2012, o então
governador Serafim do Prado solicitou à Ministra da Comunicação
Social, Carolina Cerqueira, a substituição oficial da designação “ngoya”
por “Kimbundu Kyetu”, alinhando-se com a resposta popular à pergunta:
_ Eye oji lyahi wondola (Que língua você fala)?
- Tomé Grosso: A sua monografia revela bilinguismo
funcional e confusão terminológica entre os jovens, influenciados por
meios de comunicação.
- Soberano Kanyanga: Inquérito com 60
participantes mostra rejeição ao termo
“ngoya”e afirmação do Kimbundu da Kibala como língua de identidade. - Gabriel Vinte e Cinco, Moisés Malumbu, José
Redinha: Confirmam a origem Ambundu dos Kibala e não identificam qualquer
referência histórica ou etnográfica à existência de um povo ou língua
“ngoya”.
- Educação: Inclusão dos falares locais nos
currículos escolares.
- Cultura: Estímulo à produção artística e
literária nas línguas locais.
- Investigação: Criação de centros provinciais de
estudo linguístico.
- Media: Uso responsável das designações
linguísticas, com base em investigação científica e memória histórica
comunitária.
A valorização dos falares
locais é essencial para a preservação da identidade cultural do Kwanza-Sul. Os
“falares do Norte e Centro do Kwanza-Sul” são variantes legítimas do Kimbundu e
devem ser reconhecidos como tal, com base em evidência histórica, linguística e
comunitária.
“Toda a ciência que envolva
a antropologia, história e etnografia deve sempre ter o campo como ponto de
partida.” — Soberano Kanyanga
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*Formado em Didáctica de História e investigador social.