Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, outubro 01, 2025

AS VOZES DO KWANZA-SUL NO MOSAICO LINGUÍSTICO DE ANGOLA

Por: Soberano Kanyanga*


I. Introdução

A província do Kwanza-Sul ocupa uma posição estratégica no mapa etnolinguístico de Angola, situando-se entre dois grandes polos culturais e linguísticos:

  • Polo Ambundu: Luanda, Bengo, Malanje e Kwanza-Norte, onde predomina o Kimbundu.
  • Polo Ovimbundu: Huambo, Bié e Benguela, com predominância do Umbundu.

Esta localização faz do Kwanza-Sul uma zona de transição etnolinguística, onde coexistem variantes do Kimbundu e do Umbundu, além de falares locais que expressam a complexidade histórica, social e identitária dos seus povos.

 II. Zonas de transição etnolinguística: Definição e relevância

As zonas de transição etnolinguística são espaços de contacto entre línguas e culturas, caracterizados por:

  • Multilinguismo funcional
  • Interferência linguística (lexical, fonética, sintática)
  • Identidade linguística fluida
  • Variação dialectal e inovação linguística

Distribuição dos falares por influência dominante:

Grupo de maior influência Ambundu (Kimbundu):

  • Kibala
  • Mussende
  • Kilenda
  • Hebo
  • Lubolu
  • Mbwim (Amboim)
  • Waku

Grupo de maior influência Ovimbundu (Umbundu):

  • Seles
  • Cassongue
  • Sumbe

III. O “Falar” da Kibala: Identidade, resistência e reivindicação

A variante do Kimbundu falada na Kibala e arredores é reconhecida pelos próprios falantes como:

  • Kimbundu
  • Kimbundu ky’Epala
  • Kimbundu kyetu

O termo “ngoya”, usado de forma pejorativa por povos vizinhos, foi indevidamente promovido como designação linguística por meios da comunicação social, sem base científica ou consulta aos verdadeiros detentores do conhecimento ancestral e zeladores da história oral.

Importa sublinhar que a designação de uma língua deve estar em harmonia com o nome do povo que a fala. Assim como se fala da língua portuguesa para o povo português, da língua francesa para os franceses, ou da língua ucokwe para os tucokwe, também se deve respeitar essa lógica no caso da Kibala, onde o povo se identifica como Ambundu e a sua língua como Kimbundu da Kibala.

“Não basta ser soba para confirmar dados históricos. É preciso ter idade e discernimento necessário.”


IV. Quadro comparativo: Povo e Língua

Este quadro serve para ilustrar a coerência entre identidade étnica e designação linguística, desmontando a falácia da chamada “língua ngoya” atribuída ao povo da Kibala:

Povo / Comunidade

Gentílico / Identidade

Designação da Língua

Portugueses

Português

Língua portuguesa

Franceses

Francês

Língua francesa

Tucokwe

Tucokwe

Língua Ucokwe

Bakongo

Bakongo

Língua Kikongo

Ambundu

Ambundu

Língua Kimbundu

Ovimbundu

Ovimbundu

Língua Umbundu

 

V. A Herança colonial e a imposição terminológica

Durante o período colonial, foi imposta uma hierarquia linguística que marginalizou os falares africanos, rotulando-os como “dialectos” ou “línguas menores”. A introdução do termo “ngoya” pela Rádio VORGAN nos anos 80 e pela RNA/Ngola Yetu em 1992 e 2007 não foi precedida por estudos científicos nem por validação de “Agentes Autorizados das Comunidades”.

Min C. Cerqueira, Juiz J. Felismino, Revº Gab Vinte e Cinco e Sob. Kanyanga

Em 9 de Junho de 2012, o então governador Serafim do Prado solicitou à Ministra da Comunicação Social, Carolina Cerqueira, a substituição oficial da designação “ngoya” por “Kimbundu Kyetu”, alinhando-se com a resposta popular à pergunta:

_ Eye oji lyahi wondola (Que língua você fala)?


 VI. Estudos, testemunhos e evidência de campo

  • Tomé Grosso: A sua monografia revela bilinguismo funcional e confusão terminológica entre os jovens, influenciados por meios de comunicação.
  • Soberano Kanyanga: Inquérito com 60 participantes mostra rejeição ao termo “ngoya” e afirmação do Kimbundu da Kibala como língua de identidade.
  • Gabriel Vinte e Cinco, Moisés Malumbu, José Redinha: Confirmam a origem Ambundu dos Kibala e não identificam qualquer referência histórica ou etnográfica à existência de um povo ou língua “ngoya”.

 VII. Propostas para a valorização dos falares locais

  • Educação: Inclusão dos falares locais nos currículos escolares.
  • Cultura: Estímulo à produção artística e literária nas línguas locais.
  • Investigação: Criação de centros provinciais de estudo linguístico.
  • Media: Uso responsável das designações linguísticas, com base em investigação científica e memória histórica comunitária.

 VIII. Conclusão

A valorização dos falares locais é essencial para a preservação da identidade cultural do Kwanza-Sul. Os “falares do Norte e Centro do Kwanza-Sul” são variantes legítimas do Kimbundu e devem ser reconhecidos como tal, com base em evidência histórica, linguística e comunitária.

“Toda a ciência que envolva a antropologia, história e etnografia deve sempre ter o campo como ponto de partida.”Soberano Kanyanga

 Leia mais em: "MESU MAJIKUKA": Resultados da pesquisa para Ngoya 

=

*Formado em Didáctica de História e investigador social.


Sem comentários: