Canhanga, Vinte e Cinco, Felismino, C.Cerqueira (centro), JPedro |
Um dos mais apaixonados debates a que me entrego é o que se faz sobre a problemática das línguas em Angola.
Ora vejamos: o mosaico etno-linguístico angolano é amplo. Qualquer abordagem deve sempre começar pelas duas grandes famílias que são Kongo cordofaniana de um lado e Koi-San de outro.
A primeira família dá origem às línguas bantu que possuem elementos lexicais muito parecidos.
No território angolano, entre os povos pré-bantu, temos apenas os San.
retornando aos Bantu, esses se estratificam por diversas outras línguas, cada qual com suas variantes. Assim surge o Kimbundu que possui perto de 30 variantes, sendo algumas delas faladas no Kwanza-Sul (norte e centro), destacando-se as variantes Lubolu, Sende, Kipala (Kibala), Kisama, Mbwi, Mpinda, Sumbe e Haku. Entre estes substratos podem ser encontradas outras derivações pois, a língua, enquanto elemento abstrato, tem uma variabilidade e inovação difícil de controlar
É essa variação na entoação e poucas vezes lexical (pois há aldeias que distam cinco quilómetros entre si mas com diferentes articulações no emprego oral da língua) que permite os povos de uma mesma família linguística identificarem-se geograficamente. A título de exemplo, os povos da Munenga e de Kuteka que, política e administrativamente, pertencem à mesma comuna, têm articulações orais distintas que os permite identificarem-se mutuamente quanto à origem geográfica (sobado). Porém falam a mesma variante de uma mesma língua, no caso Kimbundu.
A 9 de junho de 2012, o militar e político Serafim Maria do Prado, nas vestes de governador do Kwanza-sul, escreveu à ministra da Comunicação social, Carolina Cerqueira, hoje titular da Cultura, solicitando intercedência desta junto da RNA para que fosse revista a designação errônea atribuída à variante Kimbundu falada no Kwanza-Sul, nas rádios provincial e Ngola YETU. O assunto não teve o provimento esperado, pois, ao que se sabe, ou o Ministério que tutela a Rádio não orientou que se reparasse o reclamado ou essa (a RNA) não acatou. Estávamos em vésperas de eleições gerais, as terceiras, depois de 1992, 2008.
Serafim do Prado, na sua missiva, sugeria que os aludidos programas tivessem a designação "Kimbundu Kyetu" (nosso Kimbundu) ou "Kimbundu do Kwanza-sul", indo de encontro àquilo que a população autóctone de maior idade responde (ainda) quando perguntada "eye oji lyahi wondola?" (Que língua você fala?). A esse questionamento, a resposta é sempre: Kimbundu ngondola/Kimbundu Kyetu/ Kimbundu ky'Epala... (falo Kimbundu/nosso Kimbundu/Kimbundu da Kibala...), cf. Canhanga 2007.
As sugestões de Serafim do Prado, embora tenha surgido na carta sem argumentos de razão, vão de encontro ao que recolhemos como resultado de inquérito oral nos municípios do norte e centro do Kwanza-Sul e em Luanda, aspectos que devem ser deve ser valorizado e adicionado ao que escreveram Heli Chatelain, Redinha, Vinte e Cinco, entre outros. Ademais, nas circunstâncias de Angola em que não abundam os trabalhos escritos, toda a ciência que envolva a etnografia, antropologia e história deve sempre ter o terreno e a oralidade como ponto de partida (laboratório) e o gabinete como fábrica (para multiplicação e difusão do conhecimento experimentado).
O dinamismo das línguas sempre levou à emancipação de algumas variantes ao passo que outras se mantêm- ligadas á matriz. Porém, todo nome tem de ter um sentido etimológico e semântico, o que me parece não existir no caso dos proponentes de ngoia como designação de uma suposta língua (que pretendem autónoma do Kimbundu) falada no território norte e central do kwanza-sul.
NGOIA NÃO ATENDE AUTONOMIZAÇÃO NEM MANUTENÇÃO
Tendo surgido, de algum tempo a essa parte, alguns angolanos que, ao arrepio da ciência, atestam a existência de uma suposta língua ngoia em Angola e mais concretamente no Kwanza-Sul, sem que para tal exibam documentos (físicos ou orais), um grupo de três cidadãos da Kibala (Gabriel Vinte e Cinco e António Felismino) e Libolo (Luciano Canhanga), para além de vários estudos científicos que têm vindo a realizar e a publicar, deslocou-se à sede do Ministério da Cultura para informar a Ministra que "nós, do norte e centro, do Kwanza-Sul não falamos ngoia".
A Dra. Carolina Cerqueira orientou o Director do Instituto de Línguas, Dr. José Pedro, a organizar, no terreno, um encontro e fazer uma súmula do "constatado" para que ela (Ministra) com os dados que lhe chegarem ao conhecimento, possa interceder (ou não) junto do seu homólogo da Comunicação Social, no sentido se colocarem nas rádios angolanas (Emissora do Kwanza-Sul e Rádio Ngola Yetu) "os pontos nos is e os traços nos tês", em relação à língua (mais) falada no Kwanza-Sul.
Quanto a mim, há dois vectores para centrar o debate. Um é o da manutenção do status quo e o outro é o da autonomização da variante falada no norte e centro do Kwanza-Sul, atribuindo-lhe um nome que seja "confortável" ao povo acima referido, tendo em conta a sua ancestralidade.
Se o vector for o da não emancipação, pouco há para se discutir. É Kimbundu, cuja variante mais audível é da Kibala. Aqui bastaria mudar a designação do programa inserto na grelha da Rádio Kwanza-Sul de Ngoia para Kimbundu. Porém, a Rádio Ngola Yetu não deverá ter dois "programas em Kimbundu".
Se a questão for a emancipação/autonomização da língua falada no norte e centro do Kwanza-Sul, à semelhança do Songo, Luc|h|azes, Bunda, Lunda-Ndembo, etc., que estão em processo de dissociação das línguas matrizes (Kimbundu, Ucokwe), pois as variantes passaram a ter uma nova designação, aqui deve-se focar em encontrar um nome que atenda à idiossincrasia, cultura e história deste povo. Qualquer nome deve representar fiel e cabalmente um povo. Aqui, as Rádios acima citadas deverão renomear os seus espaços com a designação que for achada.
Para terminar, lembro que em nenhum mapa etnolinguístico de Angola consta o suposto povo Ngoia.
Texto publicado pelo JORNAL CULTURA
Texto publicado pelo JORNAL CULTURA
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