Os povos do Lubolu e da Kibala,
municípios da província angolana do Kwanza-Sul, consideram-se kisoko* por isso
mesmo são pacíficos os actos matrimoniais entre estes dois povos do grupo
ambundu.
O acto matrimonial tem início com o
galanteio ou conquista (useka), sendo normalmente o homem quem toma a
iniciativa ou os pais deste, podendo ainda a família contrária propor o mesmo à
família do rapaz.
Normalmente, é na transição entre a
adolescência e juventude que começam os galanteios quando não se tratem de indivíduos
já adultos e em segundas núpcias. A idade biológica é irrelevante, falando mais
a robustez física, atendendo a maturidade precoce ou retardada dos indivíduos.
O desenvolvimento físico na mulher é factor de relevância.
Regra geral, quando chega a puberdade,
as raparigas juntam-se em casa duma idosa para dormitar, pretenciosamente para
dela cuidarem e retirarem lições, com realce à vida sexual e conjugal futura. É
nesta kandumba (caserna) onde os adolescentes e jovens do sexo masculino se
sentem mais à vontade para o desfilar de rosários.
Ter um objecto de uso pessoal da jovem
pretendida, um lenço, um pano, ou uma pulseira é considerado meio caminho
andado para o passo seguinte. Porém, a sociedade/comunidade, que está sempre
atenta, é quem aprova ou reprova esta relação nascente em que jogam
preponderantemente os activos e passivos entre ambas as famílias. Se reprovação
não houver, o passo seguinte será a oferta à tia ou avó (paterna) da pretendida
de uma porção de tabaco, um maço de cigarros ou um valor equivalente.
A aceitação desta oferta será o selo de
que nada obsta o namoro entre os jovens, passando à categoria seguinte de “a
mwibula” que significa estar ocupada ou pretendida.
KWIBULA (pretender ou buscar consentimento)
O acto tem o significado exacto de
pretender a rapariga. Perguntar às famílias se nada obsta. A aceitação da
bouquilha de tabaco ou outro produto correspondente equivale à aceitação do
namoro por parte de quem o recebe e que deverá comunicar aos pais da jovem.
A família da rapariga deve, em seguida,
reunir e analisar os hábitos do rapaz e de sua ascendência, jogando
preponderantemente a amizade ou atritos que haja ou tenha havido entre ambas,
caso sejam de mesma aldeia ou de aldeias próximas.
Ultrapassado favoravelmente este passo,
um emissário é enviado à parte do pretendente, comunicando-lhe a aceitação
formal do namoro, passando o jovem a frequentar a casa dos sogros, idem a jovem
que se deve prestar a alguns serviços domésticos em casa da futura sogra. É o
ensaio.
São esses actos que ajudarão a
determinar se a futura nora é ou não honesta e trabalhadora. Chegados a este
patamar a sociedade jamais permitirá relacionamentos paralelos, sobretudo se
praticados pala nubente, sendo qualquer acção desrespeitosa para com ela
passivel de uma multa pecuniária e, às vezes, castigos físicos, ditados pelo
soba da comunidade. Aqui, a traição feminina é considerada e punida mesmo na
sua forma intencional. Sendo porém ao intruso, aquele que cobiçou a
mulher/noiva alheia, a quem se imputa parte considerável da culpa. Ao lesado é
dada a oportunidade de continuar ou abortar a relação, depois de recebida a
multa.
ULEMBA (alembamento)
É o acto pelo qual a família do jovem
formaliza o noivado através da entrega de bens à família da jovem. Não se trata
de compra, como alguns podem pensar.
É apenas um acto que valoriza a noiva e
que sub entende o costume e o respeito pelas tradições seculares. Imitir-se de
realizar o alembamento é o que se considera anomalia e nunca o contrário.
Nas comunidades rurais mais recônditas a
bebida mais usada é o kaporroto ( bebida destilada). O noivo, ajudado pela
família, deve juntar garrafões de kaporroto em número variável, panos para a
sogra, cobertor para a avós, o dinheiro do alembamento que acompanha a carta de
pedido devidamente forrada em lenço branco e fechada com alfinetes dourados.
Nas comunidades mais iluminadas o
Kaporroto é substituído por garrafões de vinho, whisky, caixas de refrigerantes
e cerveja, cigarros, peças de panos para a sogra, fato para o sogro e outros
bens. Há famílias que enviam uma lista de bens e outras que são liberais.
Geralmente a família do noivo é recebida
em festa, abatendo-se um animal quadrúpede doméstico e outro que é oferecido
vivo à família da noiva em forma de dote.
UWANA (a busca ou o casamento propriamente dito)
A saída da mulher da casa de seus pais é
o acto consumatório da união matrimonial entre os nubentes. Preparada a casa em
que viverá o novo casal, a família do noivo envia um emissário à casa da
família da noiva com a missão de a ir buscar.
O emissário, um tio, uma tia, um kisoko
ou outro individuo de confiança ou amigo comum dos nubentes leva um garrafão de
kaporroto, ou algumas caixas de cerveja e refrigerantes, dependendo do lugar e
das posses.
Deve munir-se de alguma pecúnia de
reserva para em caso de multas devidas a atrasos na chagada ou gravidez em casa
dos pais. Recebido em festa, apresenta o mahezo (conta o motivo da visita) e é
acompanhado com o bater de palmas à medida que discorre o discurso.
Uma tia, amiga ou sua representante
acompanha a noiva ao seu novo lar. Esta vai normalmente de rosto encoberto
destapando o "véu" somente depois de apresentada pela acompanhante à
sua nova família, os sogros.
Manda a tradição que na primeira noite
ambas tias da noiva e do noivo devem confirmar a virgindade da rapariga através
de lençóis novos e brancos que ao raiar do sol são por elas recolhidos devendo
estar ensanguentados, sinónimo de que houve defloramento naquela noite nupcial.
Se se confirmar o defloramento, ambas
tias ou suas representantes rejubilam-se, sendo motivo de orgulho das famílias
por se ter cumprido a norma tradicional da conservação da virgindade até ao
casamento. Há vezes, porém, em que tal acto não passa de uma simples
"montagem" com a conivência de ambas tias. Pegam em uma galinha e
escondem-na no quarto dos nubentes. À noite, sacrificam-na e o sangue é usado
para sujar os lençóis.
A festa de despedida entre a família e
as acompanhantes da noiva é regada de muito kaporroto, vinho e/ou outras
bebidas, dependente dos hábitos de consumo, do local e das posses. Há famílias
que fazem acompanhar a sua filha de um dote (em retribuição ao recebido).
Normalmente uma vaca ou outro animal de médio porte, cuja reprodução deverá ser
seguida na mesma bitola pelo novo casal. Este dote tem, porém, outros significados
importantes a reter: 1- O apreço que os pais da noiva nutrem pelo genro; 2- Que
não maltratem sua filha, pois também têm posses, etc.
UKITA (a procriação)
É o passo seguinte. Ambas famílias
permanecem atentas à primeira gravidez da jovem, sendo motivo de preocupação se
tal não acontecer nos primeiros seis meses de casamento. São mais a vez as tias
e avós que questionam pelo neto ao mesmo tempo que indagam "quem tem
diferença" que deve ser rapidamente resolvida por via da medicina
convencional e ou alternativa.
Há familias que permitem o casamento
entre primos até ao segundo grau, porém, o requerente tem de interpor com um
cabrito ou vaca, sendo hábito as famílias discorrerem sobre as respectivas
árvores genealógicas até enésima geração para encontrarem possíveis cruzamentos
ou tronco comum.
* Kisoko é termo em kimbundu que
significa pessoa ou povos que mantêm um pacto secular de amizade, amor,
fraternidade, relações igualitária, privilegiadas ou íntimas. Entre dois kisoko
até a asneira passa despercebida ou sem agravo.
Texto escrito em Novembro de 2009 e revisto a 23.03.2016. Publicado pelo Jornal de Cultura e Artes em Maio de 2016.
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