Construída
sobre o Monte Lukulu, que estará na origem da designação da vila de Kalulu,
vila sede do Libolo, no Kwanza-Sul, a Fortaleza de Kalulu (ou Calulo nome
oficializado nos registos topográficos) foi um dos maiores bastiões da
resistência nativa à fixação dos europeus nas terras de Ngola até ao século XX.
Nos
tempos da minha infância e adolescência, na década de noventa do século XX, ela
cumpria ainda o seu papel militar, sendo o local onde se concentravam as melhores
peças de artilharia do exército governamental que fazia face a uma rebelião
armada e, por isso, seu último reduto. O entrar e sair de militares era sempre
tido como sinal de algum alerta de que o cheio a pólvora podia estar próximo ou
sinónimo de novas aquisições em termos de tecnologia militar. Basta ver que o Palácio
do Administrador está erguido à entrada do forte.
No
tempo da guerra civis entre angolanos a Fortaleza de Kalulu era um local
inacessivel a civis comuns, sendo quase místico para a miudagem do meu tempo o que
havia e ou acontecia no seu interior, para além das "armas pesadas" e
dos "tropas mais cacimbados" que entravam e saíam. Das raras vezes
que vi o seu controlo a mudar de mãos, mesmo que fosse por curtos minutos,
senti parte da derrota, assim como sentia dor ao ver pedaços de pedra a ela
arrancados à força de canhões e morteiros. Mas, dia depois, retornados duma
fuga forçada, lá estávamos de novo, a curar as feridas, apagar as cinzas e a
contemplar a dureza da nossa Fortaleza contra a qual, infelizmente, a acção
voraz do tempo tem sido implacável.
A
abertura da Fortaleza de Kalulu ao público aconteceu nos anos de paz efectiva, isto
é, depois de 2002. Com a desmilitarização da vila de Kalulu a fortaleza passou a
acolher as antenas reprodutoras dos sinais da Televisão Pública de Angola e da
Rádio Nacional de Angola.
Embora
seja considerada pelos nativos do Kwanza-Sul e por muitos historiadores, que
leram sobre ela ou a visitaram, como um "local
de memória colectiva", desconheço a existência de um diploma legal que
a eleva a património Histórico Nacional, como acontece com outros edifícios
classificados, pois não vi nenhuma placa com tal indicação, nem à entrada nem
no seu interior.
De
uma coisa, porém, tenho plena certeza: a
Fortaleza de Kalulu é memória colectiva dos angolanos sobre a resistência
oferecida pelos nativos à presença europeia, levando os invasores portugueses a
erguer na elevação que se acha no interior da vila um forte em pedra bruta para
melhor se defenderem e desferir fogo de artilharia contra os nativos que se revoltavam
de tempo em tempo. No seu silêncio, ela conta também o estoicismo dos povos
do Lubolu (Libolo) e arredores contra a usurpação de suas terras, subalternização da sua
cultura e mutilação de seus usos e costumes. Um povo fraco e submisso que
tivesse renunciado a sua organização política, social e cultural não teria merecido
tamanha honra dos conterrâneos de Paulo de Navais.
Sobre
os anos das refregas entre movimentos desavindos ao sair de Alvor e, depois,
entre o Governo instituído no país e a rebelião armada, a Fortaleza de Kalulu
guarda outra História e estórias. Vai daí também a necessidade de se redigir
tudo quanto ela registou, formar-se jovens guias que recontem estes episódios
aos visitantes da sede administrativa do Lubolu que vai conhecendo um
crescimento do número de visitantes, sobretudo nos dias de Futebol que é
animado em semanas intercaladas pela equipa do Clube Recreativo do Libolo que está na 1ª divisão, ostentando já
quatro títulos de campeão nacional.
Depois
de ter sido reduzida a depositária das antenas que reproduzem os sinas da Rádio
e Televisão Públicas, que caso fossem colocados na elevação maior, Kaliematuji,
até dariam maior serventia em termos de alcance dos referidos sinais, a Fortaleza
de Kalulu cai aos bocados, como facilmente observará quem para lá se desloca, não
se observando movimentação no sentido do seu restauro e ou uma mera reposição
dos blocos que se desprenderam do muro, fruto de continuada acção humana ao
tempo das refregas e da acção do tempo.
Sabendo
que o Palácio do Administrador municipal, que fica à sombra da escadaria da
centenária fortaleza, beneficia de restauro, aproveito lançar um SNF (Salvem a
Nossa Fortaleza) , procurando que seja lido e alguma alma com poder e apego à
memória colectiva se lembre de exercitar a magistratura de influência
positiva junto dos poderes político e económico ou mesmo leve mão ao bolso para
que se preserve a Fortaleza de Kalulu.
Já
perdemos, com esse andar despreocupado, o Fortim da Kibala cujas pedras foram
emprestar força aos alicerces das casas de adobe, não faltando muito para que o
mesmo destino seja dado aos blocos que compões a Fortaleza de Kalulu.
Segundo
o investigador Carlos Figueiredo, também ele um libolense a prestar docência em
Universidades de Macau e Brasil, que se juntou a esse apelo, "...com a perda do Fortim da Kibala,
infelizmente, apagou-se também uma página importante da História do Libolo. Na
altura em que o fortim foi construído, a Kibala era parte integrante do
Município do Libolo. No final do séc. XIX e princípio do séc. XX, a localização
estratégica de Calulo foi importantíssima. Na Fortaleza de Calulo estava
instalado o Posto Militar que funcionava como centro de todas as operações
expedicionárias tanto na área do Libolo como nas circunscrições vizinhas da
KisSama, do Seles e do Bailundo. O fortim da Kibala foi construído para dar
apoio a essas expedições e servir como testa de ferro aos ataques dos nativos
da região do Seles e do vale do Longa. O Município da Kibala só foi desanexado
do Libolo em 1921, depois de concluída a pacificação da região".
Tornam-se,
por isso, imperiosos a responsabilidade moral e o dever histórico-patriótico de
todas as mulheres e homens conscientes de toda Angolas que devem unir esforços
para a preservação do nosso passado comum, em Kalulu e em outros cantos do
nosso país.
NB: texto publicado na última edição do Semanário Angolense em Janeiro de 2016.
NB: texto publicado na última edição do Semanário Angolense em Janeiro de 2016.
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