Partindo de estudos sincrónicos e diacrónicos (evolução
histórica) das línguas, atentos às tendências, autores como Carlos Figueiredo, Francisco Edmundo, G. Bender,
Amélia Mingas, entre outros, apontam os desvios visíveis na utilização da
Língua Portuguesa em Angola como propiciadores do surgimento de uma
"nova" língua a que designam por "Angolês, Português
Angolano", etc.
Atendendo
que as línguas têm sempre diferentes níveis de utilização (vulgar/popular,
padrão/norma e erudito/científico), evolução transformação e gestação de novas
identidades linguísticas, urge tecer algumas considerações a propósito da
Língua de Camões falada em Angola.
O
idioma Português não é mais do que a evolução de um conjunto de idiomas
ibéricos que parte dos Celta, do Latim, do Castelhano, etc. que em contacto com
realidades linguísticas (morfológicas e fonológicas ) africanas, americanas e
asiáticas delas tomou empréstimos e ganhou amplitude. O caminho trilhado pelas
línguas ibéricas, até se chegar aos idiomas actuais, será, com o tempo,
replicado nos países em que o Português chegou por via da
colonização/imposição. Essa tendência pode ser observada em Cabo Verde onde do
Português e as Línguas africanas da África Ocidental levaram ao surgimento do crioulo
cabo-verdiano que já é língua nacional daquele país, coabitando com o
Português, língua oficial. Por mais que defendamos a pureza da língua de
Camões, teremos de nos vergar, um dia, à evidência e reconhecer facto
semelhante em Angola.
O
"Angolês" ou outra designação que lhe for atribuída, será apenas uma
questão de tempo, de maior criatividade dos falantes, uniformidade semântica
dos vocábulos em todo o território e criação de um instrumento morfológico e
sintáctico distinto das línguas que lhe dão origem (Português Europeu e línguas
bantu e não bantu do território angolano).
Há
hoje um novo paradigma linguístico que emerge nos nossos bairros, nas nossas
sanzalas, nas aldeias, nas falas do povo que sente “ser mais importante
comunicar do que as críticas dos gramáticos”. Há uma nova língua que se
vai distanciando cada vez mais da norma, que se expande através música e da
literatura, uma língua que é falada e que facilita a comunicação, que já é lida
e muito cantada.
Vejamos
o caso da expressão “Ontem levei uma torra de katrungugu e fiquei
malayke”. Será isso Português, uma gíria ou emergência de uma nova
forma de comunicar que se populariza cada vez mais?
Autores
como Carlos Figueiredo (em “Projeto Libolo/Português de Angola”) acentuam nos
seus estudos que o “Angolese” ou Português de Angola “é já um facto.
Ele já existe e só os conservadores, que continuam presos à norma europeia, é
que não querem admitir isso”. Figueiredo atesta ainda que “a confirmação
científica do uso de desvios fixa definitivamente a mudança na língua
(paradigma dominante), o que constatam já os estudos existentes em
sociolinguística quantitativa”. Em Angola, sustenta, o desvio sistemático à
norma padrão faz com que se passe de facto social a fenómeno (abrangente) ou
seja de algo pontual para algo sistemático.
Angola
como Nação que já temos à mão precisa de uma nova identidade, distinta daquela
desenhada pela potência colonial. Tal passará também, a meu ver, pela
tangibilidade da comunicação. A função primeira da língua é comunicar ou passar
a mensagem. Durante largos anos os portugueses incutiram aos angolanos a ideia
de que as línguas bantu eram sinónimo de desprestígio social. A nossa
identidade milenar que não se perdeu ao longo dos 500 anos de presença europeia
refundar-se numa nova forma de articulação oral que passa para a escrita e daí
para uma nova norma.
É
a consciencialização do “homo angolensis” que se reflecte nos verdadeiros usos
de fala de milhões de pessoas. O “Angolense” é e será tão somente o “resgate da
a heranças dos nossos antepassados africanos que foi maltratada,
vilipendiada e subvertida durante séculos”. Essa é a homenagem que todos nós
lhes devemos.
Posto
isso, as questão que coloco são: temos
razões para continuar a alinharmos com a norma internacional da Língua
Portuguesa? Aqui a resposta é SIM.
Vamos
a tempo de escolarizar todos os angolanos ao ponto de falarem o Português
"camoniano"? A minha resposta é NÃO.
Teremos
cada vez mais angolanos (escolarizados ou não) a falarem a LP com laivos de
africanismo? A resposta é SIM.
Que discurso deve levar hoje à escola/universidade um professor de Língua Portuguesa? Do meu ponto de vista, dizer que já temos uma nova língua (ainda não pautada/normatizada) pode parecer um pouco arriscado. O melhor caminho é ir alertando (gradualismo) que há uma eminência que se vai clarificando com os estudos que se realizam neste domínio. Os estudantes de hoje serão os cientistas de amanhã. Quando tivermos estudos suficientes e um quórum que permita a apresentação do paradigma, ai sim sairemos (sairão) a público os anunciantes da nova língua que espero caminhe em paralelo com aquela herdada da imposição colonial e que, felizmente, nos permite nesses dias, construir uma Nuno Alberto Nacao num diverso mosaico cultural e etnolinguístico.
Que discurso deve levar hoje à escola/universidade um professor de Língua Portuguesa? Do meu ponto de vista, dizer que já temos uma nova língua (ainda não pautada/normatizada) pode parecer um pouco arriscado. O melhor caminho é ir alertando (gradualismo) que há uma eminência que se vai clarificando com os estudos que se realizam neste domínio. Os estudantes de hoje serão os cientistas de amanhã. Quando tivermos estudos suficientes e um quórum que permita a apresentação do paradigma, ai sim sairemos (sairão) a público os anunciantes da nova língua que espero caminhe em paralelo com aquela herdada da imposição colonial e que, felizmente, nos permite nesses dias, construir uma Nuno Alberto Nacao num diverso mosaico cultural e etnolinguístico.
Em
remate: vão coexistir os que tenderão para o "Português Europeu" e
tantos outros (maioria) a marcarem a sua identidade milenar na língua oficial
que falam, imposta pelo antigo colonizador, resultando num crioulo. A
preocupação de alguns escritores angolanos de levarem, de forma explícita, essa
identidade (antes representada apenas nas falas dos personagens) para o
discurso escrito, marca já um ponto de ruptura ou anunciação de uma nova
realidade tangível e inexpurgável. Há hoje a preocupação de os escritores não
só escreverem as pronúncias (redacção difusa), mas atentos à grafia correcta,
de acordo aos idiomas bantu e à semântica que encerra.
Quando os estudiosos definirem uma pauta sobre: como se deverão escrever as palavras (léxico próprio), quais as construções sintácticas, como se vocaliza e quais os significados (semântica) aí teremos uma nova língua, distinta daquelas que lhe deram origem, e não levará milénios para acontecer.
Nota:
Essa reflexão
contou com subsídios de vários amigos do face book e podem ser lidos em www.mesumajikuka.blogspot.com
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