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terça-feira, fevereiro 02, 2016

UM GRITO PELA FORTALEZA DE KALULU


Construída sobre o Monte Lukulu, que estará na origem da designação da vila de Kalulu, vila sede do Libolo, no Kwanza-Sul, a Fortaleza de Kalulu (ou Calulo nome oficializado nos registos topográficos) foi um dos maiores bastiões da resistência nativa à fixação dos europeus nas terras de Ngola até ao século XX.

Nos tempos da minha infância e adolescência, na década de noventa do século XX, ela cumpria ainda o seu papel militar, sendo o local onde se concentravam as melhores peças de artilharia do exército governamental que fazia face a uma rebelião armada e, por isso, seu último reduto. O entrar e sair de militares era sempre tido como sinal de algum alerta de que o cheio a pólvora podia estar próximo ou sinónimo de novas aquisições em termos de tecnologia militar. Basta ver que o Palácio do Administrador está erguido à entrada do forte.

No tempo da guerra civis entre angolanos a Fortaleza de Kalulu era um local inacessivel a civis comuns, sendo quase místico para a miudagem do meu tempo o que havia e ou acontecia no seu interior, para além das "armas pesadas" e dos "tropas mais cacimbados" que entravam e saíam. Das raras vezes que vi o seu controlo a mudar de mãos, mesmo que fosse por curtos minutos, senti parte da derrota, assim como sentia dor ao ver pedaços de pedra a ela arrancados à força de canhões e morteiros. Mas, dia depois, retornados duma fuga forçada, lá estávamos de novo, a curar as feridas, apagar as cinzas e a contemplar a dureza da nossa Fortaleza contra a qual, infelizmente, a acção voraz do tempo tem sido implacável.

A abertura da Fortaleza de Kalulu ao público aconteceu nos anos de paz efectiva, isto é, depois de 2002. Com a desmilitarização da vila de Kalulu a fortaleza passou a acolher as antenas reprodutoras dos sinais da Televisão Pública de Angola e da Rádio Nacional de Angola.

Embora seja considerada pelos nativos do Kwanza-Sul e por muitos historiadores, que leram sobre ela ou a visitaram, como um "local de memória colectiva", desconheço a existência de um diploma legal que a eleva a património Histórico Nacional, como acontece com outros edifícios classificados, pois não vi nenhuma placa com tal indicação, nem à entrada nem no seu interior.

De uma coisa, porém, tenho plena certeza: a Fortaleza de Kalulu é memória colectiva dos angolanos sobre a resistência oferecida pelos nativos à presença europeia, levando os invasores portugueses a erguer na elevação que se acha no interior da vila um forte em pedra bruta para melhor se defenderem e desferir fogo de artilharia contra os nativos que se revoltavam de tempo em tempo. No seu silêncio, ela conta também o estoicismo dos povos do Lubolu (Libolo) e arredores contra a usurpação de suas terras, subalternização da sua cultura e mutilação de seus usos e costumes. Um povo fraco e submisso que tivesse renunciado a sua organização política, social e cultural não teria merecido tamanha honra dos conterrâneos de Paulo de Navais.

Sobre os anos das refregas entre movimentos desavindos ao sair de Alvor e, depois, entre o Governo instituído no país e a rebelião armada, a Fortaleza de Kalulu guarda outra História e estórias. Vai daí também a necessidade de se redigir tudo quanto ela registou, formar-se jovens guias que recontem estes episódios aos visitantes da sede administrativa do Lubolu que vai conhecendo um crescimento do número de visitantes, sobretudo nos dias de Futebol que é animado em semanas intercaladas pela equipa do Clube Recreativo do Libolo que está na 1ª divisão, ostentando já quatro títulos de campeão nacional.

Depois de ter sido reduzida a depositária das antenas que reproduzem os sinas da Rádio e Televisão Públicas, que caso fossem colocados na elevação maior, Kaliematuji, até dariam maior serventia em termos de alcance dos referidos sinais, a Fortaleza de Kalulu cai aos bocados, como facilmente observará quem para lá se desloca, não se observando movimentação no sentido do seu restauro e ou uma mera reposição dos blocos que se desprenderam do muro, fruto de continuada acção humana ao tempo das refregas e da acção do tempo.

Sabendo que o Palácio do Administrador municipal, que fica à sombra da escadaria da centenária fortaleza, beneficia de restauro, aproveito lançar um SNF (Salvem a Nossa Fortaleza) , procurando que seja lido e alguma alma com poder e apego à memória colectiva se lembre de exercitar a magistratura de influência positiva junto dos poderes político e económico ou mesmo leve mão ao bolso para que se  preserve a Fortaleza de Kalulu.

Já perdemos, com esse andar despreocupado, o Fortim da Kibala cujas pedras foram emprestar força aos alicerces das casas de adobe, não faltando muito para que o mesmo destino seja dado aos blocos que compões a Fortaleza de Kalulu.

Segundo o investigador Carlos Figueiredo, também ele um libolense a prestar docência em Universidades de Macau e Brasil,​ que se juntou a esse apelo, "...com a perda do Fortim da Kibala, infelizmente, apagou-se também uma página importante da História do Libolo. Na altura em que o fortim foi construído, a Kibala era parte integrante do Município do Libolo. No final do séc. XIX e princípio do séc. XX, a localização estratégica de Calulo foi importantíssima. Na Fortaleza de Calulo estava instalado o Posto Militar que funcionava como centro de todas as operações expedicionárias tanto na área do Libolo como nas circunscrições vizinhas da KisSama, do Seles e do Bailundo. O fortim da Kibala foi construído para dar apoio a essas expedições e servir como testa de ferro aos ataques dos nativos da região do Seles e do vale do Longa. O Município da Kibala só foi desanexado do Libolo em 1921, depois de concluída a pacificação da região".

Tornam-se, por isso, imperiosos a responsabilidade moral e o dever histórico-patriótico de todas as mulheres e homens conscientes de toda Angolas que devem unir esforços para a preservação do nosso passado comum, em Kalulu e em outros cantos do nosso país.

NB: texto publicado na última edição do Semanário Angolense em Janeiro de 2016.