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sábado, junho 07, 2025

"QUE FALOU KIMBUNDU É ZINHA DOMINGO"

A escola era entre a aldeia de Mbango Yo'Teka e a aldeola de Kabombo. Um quarto, que restava da antiga residência do senhor Marques, colono português que àquelas terras fora degredado para fazer agricultura, servia de sala de aulas. O professor era Faustino Kisanga Bocado. Como o ensino era e é ainda em língua portuguesa e os nativos de Kuteka mantinham o contacto com a língua colonial apenas quando chegasse a idade escolar, o uso do Kimbundu (no recinto escolar e em casa) fora proibido para acelerar a aprendizagem da língua veicular em Angola.

Assim, aqueles que fossem ouvidos a glosar o Kimbundu, fosse na lavra, durante as pescarias (rapazes) ou recolha de lenhas (meninas) eram denunciadas, se não houvesse um bom pacto entre eles.
Alguns pediam aos outros tréguas ao uso do português e todos, mas todos mesmos, se comunicavam na língua materna, inibindo qualquer traição ao professor Bocado. Sorte semelhante não teve a Zinha. Eram duas meninas homónimas na sala improvisada da pré-kabunga que recebia as lições debaixo da frondosa mulembeira.
_ Camá, prossor, ontem Zinha falou Kimbundu. - Denunciou Kephele.
O professor olhava para a Zinha Miguel, a mais dada a violar a regra "Kimbundu zero", imposta a todos os alunos.
_ É mentira, camá prossor, eu não fali kimbundu. Que falou Kimbundu é Zinha Domingo. Falou assim, "mbomba mu hondja Ùwabe"! [banana com bombó é saborosa!]
E assim ficou registado. Passam quase cinquenta anos. Sempre que se alude à proibição do uso do Kimbundu na escola ou ao mau português usado pelos meninos que frequentam a escola, surge essa cena contada de bica em boca e de geração em geração.

_ Mbomba mu hondja ùwabe!

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Publicado no Jornal Litoral a 25 de Maio de 2025

sexta-feira, maio 02, 2025

MEMÓRIAS DE KUTEKA E PEDRA ESCRITA

A 25 de Janeiro de 2025, cruzei, próximo da aldeia de Pedra Escrita, com uma parente que não conhecia. É neta ou bisneta do "Velo Xingwenda" [Velho Cinquenta], parente da minha mãe. 

Quando me foi apresentada pelo mano Gonçalves Manuel Carlos, recorremos à árvore genealógica para nos situarmos e, mesmo nunca me ter visto antes, quando se apercebeu que eu era filho da "avó Maria Canhanga", começou a recitar uma música dos tempos de xilimina [folguedos dos anos 90 do século XX] e que fazia alusão a mim.

"Kajila bera mwititu twazeketu (3x)"[Passarinho diga, vamos pernoitar no ninho].

Em menos de 3 meses, na aldeia de Mbango yo'Teka, foquei imortalizado e recordado por pessoas que nasceram décadas depois de eu ter por lá passado, de Janeiro a Março de 1990, fugido da Unita que me correra de Kalulu e, semana depois, da aldeia de Pedra Escrita.

A jovem, parecendo minha mais velha (eu cinquentão e ela na casa de 30), lavava roupa, depois de ter preparado e posto a secar o bombó à beira da EN120. 

Eu, o mano Gonçalves, o Nelo e Páscoa fomos colher canas. A caminho da "kitaka" [horta] vi duas árvores que, na minha terra, atraem borboletas que nelas nidificam, surgindo, depois, os "mabuka" ou "katatu": uma é "munzaza" e outra, de folhas alargadas e em formato de coração dobrado em duas lâminas, é "ndolo".

Veio-me à mente outra canção do "xilimina" dos anos noventa:

"Moça mu kyaña ndolo, moça mu kyaña ndolo, mu kyaña ndolo we sosó lyamutema bwengi" [a moça, de tanto colher e usar lenha de ndolo, a fagulha atingiu-lhe a zona nevrálgica"]. Na verdade, a palavra, aqui convertida em "nevrálgica" é um impropério. Só os jovens embriagados de kapuka ou lyambados cantavam essa versão ao lado de adultos. O dislate era sempre substituído por um termo não agressivo.

Naquele tempo das rusgas e raptos [rusgas de jovens abrangidos ou não para o serviço militar obrigatório e raptos da Unita], o que se cantava era a saudade dos que tinham partido e que deles não se tinha notícias e a reinvenção das vidas para enfrentar os dias duros de futuro imprevisível. E assim, enquanto se metaforizava nas canções como "sambwa li sambwa obuji yatena moye" [entre duas elevações/lados o obus atingiu uma palmeira], também se cantava a saudade dos que tinham sido levados pela sorte madrasta e dizia-se "Kisasa kumbi otoka, bukanga twazeketu" [Quando Kisasa regressar vamos pernoitar fora de casa, a conversar, cantar e contar coisas nossas].

As letras eram curtas e repetitivas, mas com sentido e alcance muito longos.

"Bwahila Toy inyungu ibiloka!" [Onde morreu o Toy os abutres estão às voltas para debicar os seus restos]. 

Debois de kitotas, a presença de abutres em algum lugar era indicador da existência, por perto, de um cadáver (humano ou de outro animal qualquer).

Os inválidos, os envergonhados, os tímidos e toda a sociedade, individual ou colectivamente, também eram "personagens" das letras das canções que, muitas vezes, mudavam apenas a estória, mantendo a melodia e o tilintar do tambor e do bujão. "Nange, nange, Xoxombo wombela, wombela, Xoxombo nange, nange katé okyo wombela" [De tanta solidão, causada pela timidez em desfiar o rosário a uma jovem, Xoxombo teve de recorrer ao estupro].

Assim era o cancioneiro popular com história e estórias fundadas no longo percurso da sociedade e nos anseios transformadores do amanhã.

sexta-feira, abril 25, 2025

"A FALTA DE MOTIVAÇÃO E O IMPACTO NOS COLABORADORES" AOS OLHOS DE LÍZIA HENRIQUE

DALAI LAMA UMA VEZ DISSE “TODA ACÇÃO HUMANA, QUER SE TORNE POSITIVA OU NEGATIVA, PRECISA DEPENDER DE MOTIVAÇÃO”

Boa tarde a todos,

É com enorme prazer que vos dou as boas-vindas a esta sessão tão especial de lançamento do livro A FALTA DE MOTIVAÇÃO E O IMPACTO NOS COLABORADORES- UM ESTUDO DE CASO NO MINISTÉRIO DE GEOLOGIA E MINAS, uma obra que promete marcar não só os leitores, mas também o panorama literário nacional.

Hoje, temos a honra de contar com a presença do seu autor, Soberano Kanyanga, uma figura que se destaca pela sua sensibilidade, dedicação à escrita e pela forma como consegue transformar palavras em emoções vivas.

Luciano Canhanga |Soberano Kanyanga| tem vindo a construir um percurso notável, seja através da sua escrita envolvente, bem como da sua capacidade de observação da realidade.

Este, sempre esteve ligado ao jornalismo e comunicação institucional, mas foi nas vestes de Director de Recursos Humanos que se viu digamos, "forçado” a imergir nos desafios que encontrou no então Ministério de Geologia e Minas, quando convidado a dirigir o GRH, após colaboração em uma empresa extractiva (a Sociedade Mineira de Catoca)

Eventualmente, você pergunte: Que desafios encontrou?

 Meus senhores e minhas Senhoras estes desafios encontram-se no livro!

O livro em destaque, aborda um tema crucial para o desempenho organizacional, especialmente no contexto do funcionalismo público angolano.  

Este livro representa não apenas uma contribuição valiosa para o campo de Recursos Humanos, mas também um testemunho do rigor, da dedicação e da paixão que o autor deposita no seu trabalho. Ao longo das suas páginas, somos guiados por uma análise profunda, sustentada em investigação atualizada, metodologias sólidas e um espírito crítico exemplar.

A pesquisa realizada revela, que a falta de motivação é um dos principais factores que impactam negativamente o desempenho dos colaboradores, sendo um desafio significativo para a gestão de actividades no setor público.

Na referida pesquisa o autor utilizou métodos quantitativos e qualitativos, incluindo questionários aplicados a setenta funcionários, a fim de explorar as causas e consequências da desmotivação no então Ministério de Geologia e Minas.

O estudo, realizado no Ministério de Geologia e Minas, identifica que a ausência de políticas e acções voltadas à motivação, como o reconhecimento, a remuneração adequada e incentivos como o seguro de saúde e a formação, contribui para a desmotivação dos funcionários, cujos resultados negativos para a organização todos os gestores conhecem.

Entre as conclusões, destaca-se o facto de a motivação estar diretamente ligada à recompensa e ao estilo de liderança, e que as variáveis sociodemográficas influenciam os resultados. É ainda sugerido, que as lideranças devem repensar as suas práticas para melhorar o ambiente organizacional e a valorização dos colaboradores.

Para além do rico conteúdo, que é uma nítida fotografia dos desafios com que se debatem muitas das instituições públicas, para não dizer todas, o autor procurou, igualmente, preservar a história de um colectivo de colaboradores que cada um ao seu nível, procuraram prestar um serviço público digno e humanizado.

Hoje, infelizmente, não podemos dizer à nova geração que no Largo António Jacinto (conhecido como largo dos Ministérios) existiu um edifício que atendeu os Serviços de Geologia e Minas e, posteriormente, o Ministério de Geologia e Minas, pois este edifício (mostrar a contracapa) já não existe.

Termino com um sincero agradecimento a Luciano Canhanga, não só pela obra que hoje nos apresenta, mas também pelo contributo inestimável que tem dado ao desenvolvimento do conhecimento.

Convido agora o autor a partilhar connosco um pouco do seu processo criativo, das motivações por detrás deste livro e, claro, do que podemos esperar ao mergulhar nesta leitura.                  

Muito obrigado a todos pela presença.

Lízia Henrique

Em Luanda, aos 24 de Abril de 2025.

segunda-feira, março 03, 2025

MASSANGANO CHAMA-TE!

Uma das razões dos fins-de-semana prolongados ou pontes, quando o dia de feriado calha quinta ou terça-feira, é fomentar o turismo interno. O feriado alusivo a 14 de Setembro, Dia do Herói Nacional, calhou numa terça-feira e, por isso, as famílias tiveram os dias de sábado, domingo, segunda e terça-feira para descansar e desfrutar.

Para quem trafega no sentido Luanda-Dondo, EN 230, a antiga vila de Massangano fica no lado direito, faltando 25 quilómetros para se chegar à velha cidade do Dongo. Do desvio (ainda em terra batida, todavia já devidamente terraplenada) são apenas 25 quilómetros até se chegar à margem do majestoso Rio Kwanza que se espreguiça na sua calma viagem ao Atlântico. Aqui, numa elevação atalaia, chegou Paulo Dias de Novais, no séc. XVI, estabelecendo a primeira Câmara Municipal do Primeiro Governo Português em Terras Angolanas. Um dos empecilhos ao turismo interno é (ainda) a falta de serviços associados como restaurantes, acomodação, guias turísticos competentes e comprometidos e lojas de conveniência onde se possa adquirir lembranças.

Massangano tem recebido alguns turistas nacionais e internacionais com destaque para família Tucker dos UA (cuja origem é angolana) que, depois de alimentarem os olhos e a mente com conhecimentos sobre os primórdios da presença portuguesa em Angola e o tráfico de escravos, acabam por se retirar por falta de serviços de apoio ao turista.

A partir de Janeiro de 2025, a comuna de Massangano passa a município, desmembrando-se de Kambambe e, ao chegar à sede, quem o vai receber (daqui a alguns meses) será a instalação turístico-hoteleira do Tino. 

Tino Cardona, um jovem forasteiro (benguelense) quer que "os turistas venham e permaneçam", está a erguer, bloco a bloco, assim como "grão a grão a galinha enche o papo", um resort que vai impulsionar o turismo no futuro município.
"Já faltou mais e o Resort está a ser equipado com bungalows, quartos normais, esplanada e restaurante", diz, confiante, Tino Cardona, que conheceu Massangano por via do escutismo e turismo religioso.
"As obras decorrem bem e já há cinco quartos prontos" de muitos outros por concluir", explicou o investidor.
Uma vez confirmado o estatuto de município, Massangano (que, ao ganhar novo estatuto, devia ter o topónimo ajustado à sua etimologia e semântica) poderá ter uma câmara municipal e um edil, numa situação de termos autarquias.
Metros à frente, começa o conjunto de escombros que guardam a história de Massangano. 
_ À direita, está o que foi tribunal e casa de reclusão. Se viras novamente à direita, encontras as ruínas do que foi a cadeia. Tinha celas subterrâneas. _ Desta vez o narrador é o administrador comunal adjunto de Massangano.
Ao lado esquerdo (a entrar), está o edifício que foi a casa do governador Paulo Dias de Novais. "Mais tarde, serviu de casa dos sipaios", explica Carlos Ângelo Cacoba, administrador comunal adjunto. Depois, está a esquadra da polícia e a sede da administração comunal que vai ser elevada a municipal, já em Janeiro de 2025. As ruínas da antiga Câmara Municipal, século XVI, ficam depois da actual administração. Apar da igreja são os únicos edifícios com utilidade diária e permanente. A antiga Câmara Municipal fica antes da Fortaleza. Mais adiante vê-se a igreja católica e, trezentos metros à frente, seguindo o caminho do Kwanza em direcção ao Atlântico, está o que foi a Praça de Escravos
"Aqui eram avaliados e comercializados como objectos. Os aptos para qualquer transação eram, depois, baptizados na igreja onde recebiam um nome e embarcados, rio abaixo, até ao que é hoje o Museu da Escravatura, seguindo para as Américas e outros destinos". Mas, sobre Massangano não é tudo. O nosso cicerone conta que havia um forno e mostrou o caminho.
"Nele eram jogados os indivíduos sem valor comercial, doentes, inválidos, deficientes, etc. Estes eram jogados no forno como se de leitões se tratassem", conta Carlos Cacoba, possuído de comoção pelos infelizes.
As ruas de Massangano eram iluminadas a candeeiros. Os postes construídos em pedra, onde eram afixados os candeeiros a azeite e torcida, mantêm-se hirtos e gritam aos ventos e aos que passam a história sobre o seu desempenho e serventia.
Outros espaços que continham casas do tempo áureo da localidade estão em desaparição, podendo ser vistos poucos outros escombros e ou bases "escondidas" entre os casebres dos actuais moradores, feitos a base de pau-a-pique, barreadas e cobertas de chapas de zinco ou folhas de palmeiras. Outras casotas são de adobe (tijolo de terra bruta sem cozimento em forno). Há, porém, um detalhe: todas as casotas de Massangano têm energia eléctrica e podem ser vistos também alguns fontanários. 
Tendo conhecimento de edifícios seculares reabilitados na Europa e notado o estado de depreciação avançada que apresentam os sobrados de Massangano e outras ruínas históricas espalhadas pelo país, uma pergunta me persegue: existirá alguma disposição legal que impeça a reconstrução de ruínas históricas como as de Massangano?
Ora, reza a história que Massangano foi, na verdade, a primeira Câmara Municipal, a primeira sede de governo portuga no território Ngola que evoluiu para Angola. Paulo Dias de Novais foi o primeiro governador português a chegar a Angola e tinha como principais acções explorar os recursos naturais e promover o tráfico negreiro (escravatura), formando um mercado exclusivo de escravos.
Novais obteve do rei D. Sebastião (1568-1578) uma Carta de Doação (1571), que lhe dava o título de "Governador e Capitão-Mor, conquistador e povoador do Reino de Sebaste na Conquista da Etiópia ou Guiné Inferior", nome pelo qual a região de Angola era então conhecida, ou simplesmente Capitão-Governador Donatário. Partiu de Lisboa em 23 de Outubro de 1574 e desembarcou na chamada Ilha das Cabras (actual Ilha de Luanda) a 11 de Fevereiro de 1575. Na ilha já existiam cerca de sete povoados e Novais encontrou sete embarcações fundeadas e cerca de quarenta portugueses estabelecidos, enriquecidos com o comércio negreiro, ali refugiados dos Jagas. Acredita-se que já estivessem ali estabelecidos há alguns anos, uma vez que na ilha também existia uma igreja e um padre.
Estabelecendo-se na Ilha das Cabras, Novais recebeu uma embaixada do rei Ngola Kilwanje Kya Samba (29 de Junho de 1576), recebendo a permissão deste para se mudar para terra firme, para o antigo morro de São Paulo, onde fundou a povoação de São Paulo de Loanda.
Pelos termos da Carta de Doação recebida, Novais deveria expandir o território para Norte até às margens do rio Dande (Bengo), para o Sul, e para o interior ao longo do curso do rio Kwanza. Tinha ainda a obrigação de construir uma igreja, fortalezas e de doar sesmarias, para assentamento dos colonos. Partiu em direção às terras do Ndongo, em busca das lendárias minas de prata de Kambambe, avançando pelo vale do Kwanza até à sua confluência com o rio Lukala, onde (perto dela num terreno alteado que permitia visualizar qualquer embarcação que circulasse nos dois sentidos do rio) fundou a vila de Nossa Senhora da Vitória de Massangano, em 1583.
Novais faleceu em Massangano, em 1589, aos   79 anos, e lá foi sepultado, defronte da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em túmulo de pedra. As suas cinzas foram mais tarde transladadas para a Igreja dos Jesuítas em Luanda, pelo Governador Bento Banha Cardoso, em 1609.
Terminando como começámos esta "visita descritiva", a primeira Câmara Municipal de Angola pode ser restaurada, depois de 2025.

terça-feira, fevereiro 11, 2025

O (H)EBO E A HISTÓRIA POR DESVENDAR

O (H)Ebo tem nome inscrito na luta e resistência das nossas FAPLA contra as incursões das forças armadas do regime segregacionista sul-africano, mancomunado com a Unita, que pretendiam impedir a independência de Angola a 11 de novembro de 1975.

A história registou a célebre Batalha do (H)Ebo, em que, para travar o avanço dos invasores sul-africanos, tombou, heroicamente, a 11 de Dezembro de 1975, o Comandante Raúl Arguelles Garcia. Arguelles era cubano e veio ajudar-nos a conter o avanço paera Luanda dos invasores externos e seus sequazes nacionais. Angola homenageou-o com um monumento que se acha no troço entre a entrada para o sítio histórico "Pinturas rupestres de Ndala Mbiri" e a sede administrativa do (H)Ebo. Os seus restos mortais repousam em Luanda, no Cemitério do Alto das Cruzes.
O (H)Ebo é uma vila e município do interland kwanza-sulino, "encravado" entre Kibala, Waku Kungu (Sela), Konda, Amboim e Kilenda.
Desde que conheci o (H)Ebo, têm sido frequentes as visitas à vila sede. Nas conversas, os populares têm reclamado o asfalto em direcção ao Waku e Ngabela para aumentar o movimento.
_ O alcatrão parte do Kondé até à vila e não avança. Aqui, quem entra tem que sair pelo mesmo caminho. Não avança. _ Precisam os moradores.
_ A luz passa, mas não pára. _ Acrescentam os munícipes que dizem usar ainda candeeiros a petróleo.
Contam ainda os munícipes que "Hebo foi a vila que mais sofreu às mãos da Unita" que fazia dela sua logística alimentar.
_ Como aqui é nos matuku¹ e o reforço das tropas vindas do Sumbe ou Sétima Região Militar (Benguela) demorava, por falta de estrada esfaltada e minas que metiam nas picadas, eles quase moravam aqui e tudo que a população produzia acabava nas mãos deles. _ Narra Fernando Almeida, 68 anos, acrescentando que "levavam os cabritos, milho, batata, mandioca e até frutas nas árvores, sem pensar se o dono sente fome".
O (H)Ebo tem muitas estórias e história ainda por desvendar e registar.
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1- Esconderijo, entrada sem saída.

quarta-feira, janeiro 01, 2025

ALDEIA DE PEDRA ESCRITA: NÓTULAS

Até 1984 inexistia a aldeia de Pedra Escrita. Vamos à origem do topónimo. O penedo acomodava uma frase publicitária da Estalagem Boa Viagem, pertença da família Olímpio, também conhecida por "Bar do Olímpio", no Lus(s)us(s)o, e foi apelidado pelos populares locais e outros que por lá foram passando como "a pedra escrita".

O surgimento da guerrilha, por volta de 1983 e o recrudescimento de ataques às aldeias e viaturas, acções de implantação de minas terrestres na rodoviária, em 1984 e anos subsequentes, fez parar os trabalhos na Fazenda Hoji ya Henda (antiga Fazenda Israel) e desapareceu o acampamento que albergava os trabalhadores de origem ovimbundu.
Já os trabalhadores locais (a exemplo de meus pais) tinham abandonado a fazenda em 1979/80 e construído suas aldeias e aldeolas fundadas por laços de parentesco, no Limbe que fica a 2 quilómetros a oeste de Pedra Escrita (estrada Kibala-Dondo).
Entre 1984 e 1985, grande parte da família Trinta, descendente de Katoto e fundadora do Limbe, regressou à procedência. A aldeia de Katoto migrava das margens do Rio Ryaha à Sangwisa (antes de se desdobrar nas actuais três aldeias que se estendem ao longo da EN 120).
Os ovimbundu que habitavam na Fazenda Hoji ya Henda, alguns locais descendentes de Kalombo e Tumba Grande, assim como a família "Xika Yango" (Raimundo Carlos), essa última oriunda do Mbangu-yo'Teka e que se haviam fixado na aldeola no Limbe juntaram-se em pequenos "songo" (pequenos aglomerados ou quarteirões) na zona de Pedra Escrita.

Outros continuaram dispersos em suas lavras e pequenas aldeolas familiares até que o Comandante António Infeliz João proibiu que houvesse pessoas a viverem nas lavras ou dispersas, aglomerando-as todas na aldeia de Pedra Escrita que se agigantou. Já no ano de 1993 contava com os aglomerados (songo) da Igreja Cheia da Palavra de Deus, os do Sétimo Dia, os do Kuteka (família Raimundo Carlos e Maria Canhanga) os de Kalombo e Tumba Grande, os "Mbalundu" oriundos e descendentes de ovimbundu que tinham trabalhado na fazenda e os antigos "recuas" da Kis(s)ala, Lwaty e indivíduos de outras proveniências que, não podendo constituir um aglomerado, se foram acomodando em outros, de acordo às afinidades que foram criando. A família Napoleão dos Santos, por exemplo, oriundos do Longolo (Lwati), sendo primos de Maria Canhanga (Kilombo Ky'Etinu), fixaram-se no "songo" dos de Kuteka. Este conglomerado recebeu, anos depois, outros oriundos do Kuteka, Hombo, Mbanze de Kuteka e Kiphela, aldeias que se acham longe do asfalto, nas proximidades dos rios Longa e Muxixe (antes de este afluir ao Longa).

Estima-se que a aldeia de Pedra Escrita tenha mais de 500 famílias o que "obrigou" a administração do Estado a implantar equipamentos sociais como: o njango comunitário (inoperante há década), a escola primária com 3 salas e 2 wc (estes ocupados pelos professores por falta de dormitório), início da construção de um posto médico (obra inacabada e abandonada que se acha perto da escola), implantação de uma linha de transporte de água bruta da montanha a oeste até à aldeia e, finalmente, a construção de outro posto médico que se acha junto à EN120. O fontanário, apesar da falta que faz aos aldeões, deixou de jorrar água há mais de seis anos.

Conta-se que "um agricultor esquartejou a tubagem com a grade do seu tractor e não repôs a tubagem até hoje". Os aldeões informam ainda que o assunto foi levado à administração, "mas o homem tem costas largas" e não dá importância aos apelos do povo que voltou a abastecer-se da "ndunga" (poço) situada na zona baixa aonde confluem, no tempo chuvoso, todos os resíduos fecais animais e humanos.

As consequências disso não são difíceis de adivinhar: propagação de doenças, enchentes no posto médico, mais despesas com medicamentos, aumento de mortes, etc.

Conhecendo o dinamismo da nova governação do Kwanza-Sul e adivinhando-se novas rotinas e orientações de trabalho a vir de Mara Quiosa (sem que se substituam necessariamente os inquilinos dos "palácios" da Munenga e de Kalulu) pede-se-lhe que se mande repor a água na aldeia de Pedra Escrita e que se busquem sinergias para a construção da casa dos professores e enfermeiros (exemplos que traz de Cabinda), podendo contar com a parceria do autor desta prosa e de outros que se venham a interessar pela causa.

A referida aldeia contará nos próximos tempos com uma biblioteca que é obra benemérita de um cidadão bem identificado, nascido na aldeia de Bangu-yo'Teka, cujos pais foram pioneiros na constituição do actual conglomerado.
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Texto publicado pelo Jornal Litoral a 25 de Setembro de 2024.