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terça-feira, abril 01, 2025

ILUKE

(Pseudo-sepultura)

É uma alegoria. Uma imitação do sepulcro real onde repousam os restos do finado.

Uluka=atribuir nome/pseudônimo

Iluke=réplica/homónimo


Nas comunidades rurais do Libolo (e xonas adjacentes), quando alguém morre distante e não é transladado seu corpo para a origem, é feito um pseudo-funeral (iluke) em que se colocam em uma pequena urna pertences do de cujus (pode ser resto de cabelo, unhas etc) que são sepultados como se de um corpo cadavérico se tratasse.  Tal visa "acalmar os espíritos do defunto" e servir de memória para a comunidade.

Por cima da campa, à semelhança dos sepultamentos reais, é anotado o tempo de vida do "homenageado.

Iluke é uma espécie de túmulo de soldado desconhecido.

segunda-feira, março 03, 2025

MASSANGANO CHAMA-TE!

Uma das razões dos fins-de-semana prolongados ou pontes, quando o dia de feriado calha quinta ou terça-feira, é fomentar o turismo interno. O feriado alusivo a 14 de Setembro, Dia do Herói Nacional, calhou numa terça-feira e, por isso, as famílias tiveram os dias de sábado, domingo, segunda e terça-feira para descansar e desfrutar.

Para quem trafega no sentido Luanda-Dondo, EN 230, a antiga vila de Massangano fica no lado direito, faltando 25 quilómetros para se chegar à velha cidade do Dongo. Do desvio (ainda em terra batida, todavia já devidamente terraplenada) são apenas 25 quilómetros até se chegar à margem do majestoso Rio Kwanza que se espreguiça na sua calma viagem ao Atlântico. Aqui, numa elevação atalaia, chegou Paulo Dias de Novais, no séc. XVI, estabelecendo a primeira Câmara Municipal do Primeiro Governo Português em Terras Angolanas. Um dos empecilhos ao turismo interno é (ainda) a falta de serviços associados como restaurantes, acomodação, guias turísticos competentes e comprometidos e lojas de conveniência onde se possa adquirir lembranças.

Massangano tem recebido alguns turistas nacionais e internacionais com destaque para família Tucker dos UA (cuja origem é angolana) que, depois de alimentarem os olhos e a mente com conhecimentos sobre os primórdios da presença portuguesa em Angola e o tráfico de escravos, acabam por se retirar por falta de serviços de apoio ao turista.

A partir de Janeiro de 2025, a comuna de Massangano passa a município, desmembrando-se de Kambambe e, ao chegar à sede, quem o vai receber (daqui a alguns meses) será a instalação turístico-hoteleira do Tino. 

Tino Cardona, um jovem forasteiro (benguelense) quer que "os turistas venham e permaneçam", está a erguer, bloco a bloco, assim como "grão a grão a galinha enche o papo", um resort que vai impulsionar o turismo no futuro município.
"Já faltou mais e o Resort está a ser equipado com bungalows, quartos normais, esplanada e restaurante", diz, confiante, Tino Cardona, que conheceu Massangano por via do escutismo e turismo religioso.
"As obras decorrem bem e já há cinco quartos prontos" de muitos outros por concluir", explicou o investidor.
Uma vez confirmado o estatuto de município, Massangano (que, ao ganhar novo estatuto, devia ter o topónimo ajustado à sua etimologia e semântica) poderá ter uma câmara municipal e um edil, numa situação de termos autarquias.
Metros à frente, começa o conjunto de escombros que guardam a história de Massangano. 
_ À direita, está o que foi tribunal e casa de reclusão. Se viras novamente à direita, encontras as ruínas do que foi a cadeia. Tinha celas subterrâneas. _ Desta vez o narrador é o administrador comunal adjunto de Massangano.
Ao lado esquerdo (a entrar), está o edifício que foi a casa do governador Paulo Dias de Novais. "Mais tarde, serviu de casa dos sipaios", explica Carlos Ângelo Cacoba, administrador comunal adjunto. Depois, está a esquadra da polícia e a sede da administração comunal que vai ser elevada a municipal, já em Janeiro de 2025. As ruínas da antiga Câmara Municipal, século XVI, ficam depois da actual administração. Apar da igreja são os únicos edifícios com utilidade diária e permanente. A antiga Câmara Municipal fica antes da Fortaleza. Mais adiante vê-se a igreja católica e, trezentos metros à frente, seguindo o caminho do Kwanza em direcção ao Atlântico, está o que foi a Praça de Escravos
"Aqui eram avaliados e comercializados como objectos. Os aptos para qualquer transação eram, depois, baptizados na igreja onde recebiam um nome e embarcados, rio abaixo, até ao que é hoje o Museu da Escravatura, seguindo para as Américas e outros destinos". Mas, sobre Massangano não é tudo. O nosso cicerone conta que havia um forno e mostrou o caminho.
"Nele eram jogados os indivíduos sem valor comercial, doentes, inválidos, deficientes, etc. Estes eram jogados no forno como se de leitões se tratassem", conta Carlos Cacoba, possuído de comoção pelos infelizes.
As ruas de Massangano eram iluminadas a candeeiros. Os postes construídos em pedra, onde eram afixados os candeeiros a azeite e torcida, mantêm-se hirtos e gritam aos ventos e aos que passam a história sobre o seu desempenho e serventia.
Outros espaços que continham casas do tempo áureo da localidade estão em desaparição, podendo ser vistos poucos outros escombros e ou bases "escondidas" entre os casebres dos actuais moradores, feitos a base de pau-a-pique, barreadas e cobertas de chapas de zinco ou folhas de palmeiras. Outras casotas são de adobe (tijolo de terra bruta sem cozimento em forno). Há, porém, um detalhe: todas as casotas de Massangano têm energia eléctrica e podem ser vistos também alguns fontanários. 
Tendo conhecimento de edifícios seculares reabilitados na Europa e notado o estado de depreciação avançada que apresentam os sobrados de Massangano e outras ruínas históricas espalhadas pelo país, uma pergunta me persegue: existirá alguma disposição legal que impeça a reconstrução de ruínas históricas como as de Massangano?
Ora, reza a história que Massangano foi, na verdade, a primeira Câmara Municipal, a primeira sede de governo portuga no território Ngola que evoluiu para Angola. Paulo Dias de Novais foi o primeiro governador português a chegar a Angola e tinha como principais acções explorar os recursos naturais e promover o tráfico negreiro (escravatura), formando um mercado exclusivo de escravos.
Novais obteve do rei D. Sebastião (1568-1578) uma Carta de Doação (1571), que lhe dava o título de "Governador e Capitão-Mor, conquistador e povoador do Reino de Sebaste na Conquista da Etiópia ou Guiné Inferior", nome pelo qual a região de Angola era então conhecida, ou simplesmente Capitão-Governador Donatário. Partiu de Lisboa em 23 de Outubro de 1574 e desembarcou na chamada Ilha das Cabras (actual Ilha de Luanda) a 11 de Fevereiro de 1575. Na ilha já existiam cerca de sete povoados e Novais encontrou sete embarcações fundeadas e cerca de quarenta portugueses estabelecidos, enriquecidos com o comércio negreiro, ali refugiados dos Jagas. Acredita-se que já estivessem ali estabelecidos há alguns anos, uma vez que na ilha também existia uma igreja e um padre.
Estabelecendo-se na Ilha das Cabras, Novais recebeu uma embaixada do rei Ngola Kilwanje Kya Samba (29 de Junho de 1576), recebendo a permissão deste para se mudar para terra firme, para o antigo morro de São Paulo, onde fundou a povoação de São Paulo de Loanda.
Pelos termos da Carta de Doação recebida, Novais deveria expandir o território para Norte até às margens do rio Dande (Bengo), para o Sul, e para o interior ao longo do curso do rio Kwanza. Tinha ainda a obrigação de construir uma igreja, fortalezas e de doar sesmarias, para assentamento dos colonos. Partiu em direção às terras do Ndongo, em busca das lendárias minas de prata de Kambambe, avançando pelo vale do Kwanza até à sua confluência com o rio Lukala, onde (perto dela num terreno alteado que permitia visualizar qualquer embarcação que circulasse nos dois sentidos do rio) fundou a vila de Nossa Senhora da Vitória de Massangano, em 1583.
Novais faleceu em Massangano, em 1589, aos   79 anos, e lá foi sepultado, defronte da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em túmulo de pedra. As suas cinzas foram mais tarde transladadas para a Igreja dos Jesuítas em Luanda, pelo Governador Bento Banha Cardoso, em 1609.
Terminando como começámos esta "visita descritiva", a primeira Câmara Municipal de Angola pode ser restaurada, depois de 2025.

terça-feira, fevereiro 11, 2025

O (H)EBO E A HISTÓRIA POR DESVENDAR

O (H)Ebo tem nome inscrito na luta e resistência das nossas FAPLA contra as incursões das forças armadas do regime segregacionista sul-africano, mancomunado com a Unita, que pretendiam impedir a independência de Angola a 11 de novembro de 1975.

A história registou a célebre Batalha do (H)Ebo, em que, para travar o avanço dos invasores sul-africanos, tombou, heroicamente, a 11 de Dezembro de 1975, o Comandante Raúl Arguelles Garcia. Arguelles era cubano e veio ajudar-nos a conter o avanço paera Luanda dos invasores externos e seus sequazes nacionais. Angola homenageou-o com um monumento que se acha no troço entre a entrada para o sítio histórico "Pinturas rupestres de Ndala Mbiri" e a sede administrativa do (H)Ebo. Os seus restos mortais repousam em Luanda, no Cemitério do Alto das Cruzes.
O (H)Ebo é uma vila e município do interland kwanza-sulino, "encravado" entre Kibala, Waku Kungu (Sela), Konda, Amboim e Kilenda.
Desde que conheci o (H)Ebo, têm sido frequentes as visitas à vila sede. Nas conversas, os populares têm reclamado o asfalto em direcção ao Waku e Ngabela para aumentar o movimento.
_ O alcatrão parte do Kondé até à vila e não avança. Aqui, quem entra tem que sair pelo mesmo caminho. Não avança. _ Precisam os moradores.
_ A luz passa, mas não pára. _ Acrescentam os munícipes que dizem usar ainda candeeiros a petróleo.
Contam ainda os munícipes que "Hebo foi a vila que mais sofreu às mãos da Unita" que fazia dela sua logística alimentar.
_ Como aqui é nos matuku¹ e o reforço das tropas vindas do Sumbe ou Sétima Região Militar (Benguela) demorava, por falta de estrada esfaltada e minas que metiam nas picadas, eles quase moravam aqui e tudo que a população produzia acabava nas mãos deles. _ Narra Fernando Almeida, 68 anos, acrescentando que "levavam os cabritos, milho, batata, mandioca e até frutas nas árvores, sem pensar se o dono sente fome".
O (H)Ebo tem muitas estórias e história ainda por desvendar e registar.
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1- Esconderijo, entrada sem saída.

quarta-feira, janeiro 01, 2025

ALDEIA DE PEDRA ESCRITA: NÓTULAS

Até 1984 inexistia a aldeia de Pedra Escrita. Vamos à origem do topónimo. O penedo acomodava uma frase publicitária da Estalagem Boa Viagem, pertença da família Olímpio, também conhecida por "Bar do Olímpio", no Lus(s)us(s)o, e foi apelidado pelos populares locais e outros que por lá foram passando como "a pedra escrita".

O surgimento da guerrilha, por volta de 1983 e o recrudescimento de ataques às aldeias e viaturas, acções de implantação de minas terrestres na rodoviária, em 1984 e anos subsequentes, fez parar os trabalhos na Fazenda Hoji ya Henda (antiga Fazenda Israel) e desapareceu o acampamento que albergava os trabalhadores de origem ovimbundu.
Já os trabalhadores locais (a exemplo de meus pais) tinham abandonado a fazenda em 1979/80 e construído suas aldeias e aldeolas fundadas por laços de parentesco, no Limbe que fica a 2 quilómetros a oeste de Pedra Escrita (estrada Kibala-Dondo).
Entre 1984 e 1985, grande parte da família Trinta, descendente de Katoto e fundadora do Limbe, regressou à procedência. A aldeia de Katoto migrava das margens do Rio Ryaha à Sangwisa (antes de se desdobrar nas actuais três aldeias que se estendem ao longo da EN 120).
Os ovimbundu que habitavam na Fazenda Hoji ya Henda, alguns locais descendentes de Kalombo e Tumba Grande, assim como a família "Xika Yango" (Raimundo Carlos), essa última oriunda do Mbangu-yo'Teka e que se haviam fixado na aldeola no Limbe juntaram-se em pequenos "songo" (pequenos aglomerados ou quarteirões) na zona de Pedra Escrita.

Outros continuaram dispersos em suas lavras e pequenas aldeolas familiares até que o Comandante António Infeliz João proibiu que houvesse pessoas a viverem nas lavras ou dispersas, aglomerando-as todas na aldeia de Pedra Escrita que se agigantou. Já no ano de 1993 contava com os aglomerados (songo) da Igreja Cheia da Palavra de Deus, os do Sétimo Dia, os do Kuteka (família Raimundo Carlos e Maria Canhanga) os de Kalombo e Tumba Grande, os "Mbalundu" oriundos e descendentes de ovimbundu que tinham trabalhado na fazenda e os antigos "recuas" da Kis(s)ala, Lwaty e indivíduos de outras proveniências que, não podendo constituir um aglomerado, se foram acomodando em outros, de acordo às afinidades que foram criando. A família Napoleão dos Santos, por exemplo, oriundos do Longolo (Lwati), sendo primos de Maria Canhanga (Kilombo Ky'Etinu), fixaram-se no "songo" dos de Kuteka. Este conglomerado recebeu, anos depois, outros oriundos do Kuteka, Hombo, Mbanze de Kuteka e Kiphela, aldeias que se acham longe do asfalto, nas proximidades dos rios Longa e Muxixe (antes de este afluir ao Longa).

Estima-se que a aldeia de Pedra Escrita tenha mais de 500 famílias o que "obrigou" a administração do Estado a implantar equipamentos sociais como: o njango comunitário (inoperante há década), a escola primária com 3 salas e 2 wc (estes ocupados pelos professores por falta de dormitório), início da construção de um posto médico (obra inacabada e abandonada que se acha perto da escola), implantação de uma linha de transporte de água bruta da montanha a oeste até à aldeia e, finalmente, a construção de outro posto médico que se acha junto à EN120. O fontanário, apesar da falta que faz aos aldeões, deixou de jorrar água há mais de seis anos.

Conta-se que "um agricultor esquartejou a tubagem com a grade do seu tractor e não repôs a tubagem até hoje". Os aldeões informam ainda que o assunto foi levado à administração, "mas o homem tem costas largas" e não dá importância aos apelos do povo que voltou a abastecer-se da "ndunga" (poço) situada na zona baixa aonde confluem, no tempo chuvoso, todos os resíduos fecais animais e humanos.

As consequências disso não são difíceis de adivinhar: propagação de doenças, enchentes no posto médico, mais despesas com medicamentos, aumento de mortes, etc.

Conhecendo o dinamismo da nova governação do Kwanza-Sul e adivinhando-se novas rotinas e orientações de trabalho a vir de Mara Quiosa (sem que se substituam necessariamente os inquilinos dos "palácios" da Munenga e de Kalulu) pede-se-lhe que se mande repor a água na aldeia de Pedra Escrita e que se busquem sinergias para a construção da casa dos professores e enfermeiros (exemplos que traz de Cabinda), podendo contar com a parceria do autor desta prosa e de outros que se venham a interessar pela causa.

A referida aldeia contará nos próximos tempos com uma biblioteca que é obra benemérita de um cidadão bem identificado, nascido na aldeia de Bangu-yo'Teka, cujos pais foram pioneiros na constituição do actual conglomerado.
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Texto publicado pelo Jornal Litoral a 25 de Setembro de 2024.