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quarta-feira, dezembro 04, 2024

KATOFE DE ONTEM E DE HOJE

Em visita familiar à Kibala (14.07.2024), cheguei a Katofe (já conhecia a vila de passagem) e procurei pela Escola Técnica Agrária que busca resgatar a áurea da localidade que fica a aproximadamente 13 quilómetros da vila de Kibala.

O que encontrei apontava para uma vila que apela por socorro. Casas, algumas, com pinturas a reclamar mais de 49 anos de ausência do pintor. Algumas sem tecto. Outras juntam à falta de tecto as porta e janelas. O que foi "casa de acolhimento dos açorianos que acabavam de chegar" é hoje casa de ninguém, ou melhor, abrigo de cabritos, mabengo, lyambeiros e noctívagos morcegos.
_ Será que se alguém solicitar a sua reabilitação conseguiria obter a cedência?
É que um motel em Katofe teria serventia, tanto para a localidade, quanto para Kibala que fica perto.

As inovações são o Complexo Escolar e a Escola Técnica Agrária que tenta resgatar a importância histórica da vila em termos de potencial agropecuário da região e do país.

Informações recolhidas na Escola Técnica de Agronomia apontam que frequentam a mesma 190 alunos, 79 dos quais internos e os demais externos.

Sendo escola básica, os alunos devem entrar com a sexta classe concluída saindo com a nona classe (ensino fundamental), sendo a idade máxima de entrada os 16 anos (saindo aos 19 para o mercado de trabalho).

Katofe, foi uma florescente vila fundada por agropecuaristas portugueses oriundos do arquipélago dos Açores (vide entrevista com Lúcio Flávio da Silveira).

Dados apontam que era profícua em leite e outros agro-produtos, registando, à entrada para 1975, autonomia em suprimento de energia e água. Aliás, o Rio Katofe, de curso permanente e facilitador da irrigação, passa ao lado, cortando e molhando as terras.

José Kassola, natural da região, conta que seu tio trabalhou na ELA (Empresa de Lacticínios de Angola), cujas instalações, em Katofe, podem ser vistas à entrada da vila (lado direito, sentido Kibala-Waku). Conta que a unidade “transformava em natas” o leite recolhido pelos fazendeiros e o transferia para a fábrica principal, no Waku Kungo, onde era terminado o processo.

“Acredito que ainda haja amostras de misturadoras, espátulas, blenders e outros restos de equipamentos que eram usados”.
Kassola diz ainda que o proprietário da E.L.A. tinha a responsabilidade de distribuir gado às famílias e essas cuidavam da ordenha. "O leite era colocado em recipientes metálicos. O meu tio António José Cassola "Kimbuze" tinha um em casa e, apesar de já falecido, e os meus primos ainda o conservam". Acrescenta que o motorista passava de fazenda em fazenda onde havia gado para recolher os recipientes, pagando o valor estipulado em Escudos para que os mesmos tivessem poder económico.
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A vila de Katofe retratada por quem a viu nascer

Lúcio Flávio da Silveira Matos é natural de Katofe, município da Kibala, Kwanza-Sul, emigrado em 1975 devido ao clima antes e pós-independência, para Portugal e, depois, para o Brasil onde, entre muitas coisas, desenvolve actividade académica em uma universidade. Lúcio Huambo, como também assina algumas de suas crónicas, é um homem que reflecte sobre Katofe e que narra, nas suas prosas e poesias, a saudade, os mitos e os cantares da terra que o viu nascer.
Em tempos (2012), o Lúcio publicou um artigo que ressaltava os homens adultos do seu tempo de meninice que deram cabo dum leão. Foi o motivo que accionou a minha já desperta curiosidade, resultando numa entrevista que tenho o prazer de publicar nesta página.
- Caro Lúcio, havia uma cidade, pequena, mas com este estatuto ganho em 1974, que é a Kibala. A cerca de dez quilómetros erguia-se a vila de Katofe com igreja "sumptuosa" e casas majestosas (naquele tempo) que comentário?
Lúcio: O meu blog inclui uma resenha histórica, intitulada "A décima ilha", escrita pelo meu pai - com heroicos 92 anos feitos em Novembro de 2012 - em que ele narra a lenta, mas sempre progressiva colonização açoriana na região do Katofe. A igreja que consideras "sumptuosa" realmente foi o último fruto de um progresso que se considerava imparável, à época. Quanto à arquitectura da igreja, teve três versões: a primeira foi uma pequena erguida sem torre de sinos (sineira) e a segunda já tinha uma torre com sinos, mas em 1964 mostrou-se exígua para o povo que a frequentava aos domingos e dias de Festa do Divino Espírito Santo, quando havia muitos forasteiros. O progresso das casas foi paralelo ao da igreja; as primeiras casas do Katofe foram de pau-a-pique, depois de adobe, e as primeiras casas de tijolo cerâmico cozido foram erigidas a partir de 1962. A casa de dois pisos no início da povoação, construída pelo Kimbaça Emílio Dias, um dos três pioneiros açorianos, era de adobe e foi construída no início da década de 1950. Ali, era a primeira pousada dos colonos que iam chegando livremente dos Açores, sem quaisquer apoios do governo português. A minha família só se mudou da casa de adobe para a de tijolo cerâmico em 1968. A luz eléctrica foi instalada na povoação em 1966.
_ Katofe era uma colónia agrícola?
Lúcio: Era uma colónia agro-pecuária, essencialmente baseada na pecuária de laticínios, que foi implantada de forma livre e espontânea por três açorianos que primeiro viveram alguns anos na Kibala. Ao se fixarem em Katofe, mandavam notícias para os Açores e assim, de forma livre, se foi estabelecendo um fluxo migratório por afinidade de famílias e não por incentivo governamental.

_ Eram os colonos todos ou maioritariamente açorianos?
Lúcio: Os colonos eram todos açorianos; havia cerca de setenta famílias originárias da ilha de S. Jorge, nos Açores. Entre os colonos havia dois da ilha Graciosa e um da ilha Terceira que casaram com mulheres jorgenses que já se encontravam em Katofe. Esses colonos não jorgenses vieram originariamente para o Kwanza Sul para trabalhar na construção dos colonatos que o governo colonial resolveu implantar na Cela (Waku Kungu), a 60 quilómetros. Contudo, ressalte-se que nos colonatos estabelecidos pelo governo inicialmente era proibida a utilização de mão-de-obra nativa, enquanto em Katofe, por ser de colonização livre, os trabalhos de agricultura e pecuária eram feitos com a cooperação de mão-de-obra nativa.
_ Qual era a ocupação principal daquelas famílias?
Lúcio: A ocupação principal sempre foi a pecuária de leite. Inicialmente, houve muitos revezes. O progresso começou a fazer-se sentir a partir de 1965, quando a ELA - Empresa de Laticínios de Angola, com sede na Cela, foi estabelecida com capital acionário igualitário do Estado, firma portuguesa Martins & Rebelo e dos lavradores das regiões da Cela e Katofe. O posto de laticínios construído em Katofe era só destinado à recepção de leite, que era encaminhado refrigerado em camião-tanque para processamento na fábrica da Cela.
_ Que outras infra-estruturas havia à data?
Lúcio: As principais infra-estruturas estabelecidas até 1974 eram a escola, o internato escolar e o posto de saúde, todos frequentados também por população autóctone. Havia previsão para estabelecimento de uma agência de Correios na década de 1970, o que não se realizou até hoje.
_ Havia uma administração da vila?
Lúcio: Não havia uma administração da vila. Os colonos organizaram uma cooperativa que era a principal voz representativa, através do seu presidente, junto às autoridades governamentais.
_ Como eram as relações entre os filhos dos brancos e dos negros de Katofe?
Lúcio: Posso considerar boas com tendência a melhorar muito. A integração era maior no futebol, com a equipa da povoação, de brancos e negros, a realizar frequentes jogos nas cinco aldeias mais próximas, à volta da povoação - Hombe, Songwe, Kikula, Kas(s)ala e Katoka; segundo relatos de quem foi ao Katofe, essas aldeias não existem mais.

_Quando foi que a vila de Katofe começou a ser fundada?
Lúcio: Penso que no início da década de 1940, com os três pioneiros André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias. O André de Oliveira morreu nos primeiros anos, vitimado pelas febres, pois o terreno na época era bem infestado por mosquitos e mosca-do-sono.

_ Lembra-se dos primeiros habitantes não autóctones de Katofe?
Lú: Os três pioneiros foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias. Depois, juntou-se a eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos autóctones de Kilamba.

_ Por que razão foram lá parar (idos dos Açores ou outros pontos do distante Portugal continental)?
Lúcio: Os três pioneiros foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias que foram inicialmente para Kibala trabalhar para o Capitão Sandão, que era um militar açoriano casado na Kibala com uma nativa negra e (possuidor de) vários filhos. Resolveram tornar-se independentes e estabeleceram-se nas baixas de Katofe porque, segundo as informações colhidas na Kibala, havia ali bastante terra livre e boa para a criação de gado leiteiro, que é a vocação primordial dos jorgenses. Depois, juntou-se a eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos autóctones de Kilamba. O meu pai foi encontrado no serviço militar no Huambo, onde o meu avô paterno tinha uma fazenda perto do Forte da Quissala; o meu pai foi para Angola atrás do pai, tendo abandonado os estudos em Portugal, quando ia fazer o curso de Veterinária. Quando foi convidado para ir criar gado em Katofe, mal saísse definitivamente do quartel, e bem longe do pai, ele não titubeou, afinal era um jovem de vinte anos.

O Lúcio Silveira tem estado a publicar no seu blog, MUKANDAS DO KABIÁKA, poemas com conteúdo que retrata Angola e fábulas da nossa terra (Angola). O meu entrevistado não descarta a possibilidade de converter as lindas e ricas fábulas em livro impresso.

Ainda sobre Katofe, o Pe. Abel João e Domingos Raul da Silva dizem, no livro BREVE HISTORIAL DA MISSÃO CATÓLICA DA QUIBALAO" que "em 26 de Setembro de 1949, no Cartório Notarial da Comarca de Nova Lisboa (Huambo), foi assinada a
escritura de fundação da Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária, 'A Açoreana', com sede em Catofe, área do Posto Sede de Concelho de Quibala. Os Estatutos da Cooperativa foram publicados no Boletim Oficial da Província da Angola, III Série, nº 48, de 1 de Dezembro de 1949. Foram dezanove os fundadores".

sábado, novembro 02, 2024

O HOTEL CUNHA E OUTRAS HISTÓRIAS KIBALENSES POR DESVENDAR

O meu dia foi (24.08.24) marcado por entrevistas exploratórias a jovens e adultos da vila e cercanias de Kibala.

_ Já ouviu falar do Hotel Cunha?
_ E hotel império?
ouviu falar com comandante Kandimba?
As respostas foram nulas. Nem sobre os hotéis que foram apagados da toponímia, nem do lendário Comandante que muitos admiram até hoje.
As instalações que as fotos documentam eram de um hotel que, nas décadas de 40 e 50, era considerado "um dos melhores do Império Português".
O seu proprietário era o patrono da família Cunha, por sinal, avô de José Carlos Cunha "Oca". Há uns dois anos, visitei o Senhor "Oca" na sua fazenda em Kambaw, Kis(s)ongo, Lubolu, e falou-me sobre o hotel que seu avô, de origem portuguesa, erguera na Kibala.
Sendo eu "vasculhador e amante de estórias", meti-me no terreno para saber dos moradores com que fui cruzando, incluindo os actuais ocupantes dos escombros do que foi o Hotel Cunha, "o que foram as instalações e que serventia deram à vila?"
Dentre os jovens indagados, ninguém sabia onde ficava o Hotel Cunha, nem do Hotel Império. Uns apenas se lembram das instalações da ETIM¹, também gravemente atingidas em 1984 e em outros ataques subsequentes.
Não há registos na blogosfera e os livros que façam referência aos imóveis supra-mencionados devem ser raros.
Segundo Ana Viana Dos Santos, natural da Kibala, diz que "o Hotel Cunha e o Hotel Império (este último ficava onde estão hoje as antes de telecomunicações) foram destruídos em 1984, 12 de Junho, quando se deu o 1° ataque da Unita à Kibala".
É importante que a história não se apague por completo. Procurei pelo Presidente da ANAKIBALA, Francisco Santos, para conformar as informações prévias.
_ Aqui era o Hotel Cunha, o maior que havia na Kibala. Mais a baixo, onde se acham as antenas, estava o Hotel Império e do outro lado a ETIM.
Francisco Santos levou-me à casa do irmão do Comandante Kandimba e à do "homem de confiança que recuperou a pasta dele, depois de ter tombado em combate". O Pastor Santos, como também é conhecido, levou-me, inclusive, ao que sobra do "tanque de guerra" em que o comandante tombou heroicamente a 13 de Fevereiro de 1993. Ainda perguntei aos jovens das cercanias, se conheciam ou tinham ouvido falar sobre o Comandante Kandimba. O único Kandimba que conhecem é o restaurante que fica na Alameda (rua principal), num edifício estropiado, cujos donos homenagearam o comandante, mas são oriundos do Moxico. Assim vai a nossa história!
Quanto ao futuro do que resta dos escombros do antigo Hotel Cunha, José Carlos Cunha "Oca", diz que "de momento, faltam forças para investir nele". Vi que algumas famílias encontraram nele abrigo, sem que saibam de quem foi, o que foram aquelas minúsculas sobras de um grande edifício, com lojas e armazéns na parte baixa e suites na parte superior, nem quem são os seus herdeiros.
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1- Empresa de Transportes Intermunicipais.

terça-feira, outubro 01, 2024

NÓTULAS SOBRE KIBALA

 Wathithi kwamunzembe, walepa kakwata kolu, Ndonga-a-ngulu wandongile!*

Visitei a vila de Kibala no dia 13 de Julho. Não foi a primeira, sendo apenas última de muitas e com a felicidade de ter percorrido grande partes das ruas doi seu casco urbano que é muito maior do que a imagem que se oferece ao transeunte. Sendo "imagem de marca" os edifícios danificados pela acção da guerra civil (1975-2002), fiz recurso a fontes orais, escritas e à IA (inteligência Artificial) para buscar pistas sobre "quantas vezes a vila de Kibala foi atacada e ocupada pela insurreição armada e recuperada pelas forças governamentais". Não encontrei resposta numérica. O que é certo é que "foram várias as vezes que tal ocorreu" e em cada uma das acções de ataque, ocupação temporária e recuperação, sempre resultavam em danos humanos e infra-estruturais, fazendo com que o rosto presente da vila seja: prédios duramente estropiados, escombros e montulhos que indiciam ter existido ali e acolá casas e instalações comerciais e/ou industriais convertidas a zero.

Bem desenhada e implantada em terreno com pequenos declives que conduzem as águas pluviais a córregos naturais de fluxo permanente, Kibala, cercada a sul por montes pedregosos, tinha tudo para ser cidade.
Depois de percorridas as ruas e ruelas da "cidade" da Kibala, faço "mea culpa" por um dia ter negado tal designação, embora os dados oficiais apontem que ela foi somente elevada à categoria de vila em 15 de Janeiro de 1974, e, ao que se diz, "com planos da administração colonial portuguesa para elevar a vila ao estatuto de cidade". E tinha tudo para sê-lo, se tivermos que comparar a Kibala a outras vilas de então que foram elevadas à cidade como é o Dondo, Gabela e ou mesmo Henrique de Carvalho.
O sexagenário Xavier Nhanga da Julieta, natural da Kibala, contactado a buscar por suas memórias, avança que “o primeiro relato de que a vila tinha sida atacada e que resultou na destruição dos edifícios Império, edifício da DOM (Departamento de Organização e Mobilização) e o Banco Totta, assim como outros edifícios ocorreu em 1984”. Esse dado é confirmado por Matias Pascoal Manuel que à data vivia na Kibala e precisa que "o primeiro ataque foi a 12 de Junho de 1984, data em que a CAIMA foi igualmente destruída".
De lá em diante, a vila foi tratada como “gato sapato”, apesar da entrega e tenacidade do Batalhão comandando pelo mítico Kandimba, de quem o cancioneiro popular regista e guarda a sua bravura na defesa da vila.

Ana Viana, natural da Kibala, tinha 12 anos em 1984 e relata que "1984 o ano da defesa e da produção. Kandimba era comandante de um Batalhão da Brigada 150. A tropa tinha ido prestar socorro no Lwati, Libolo, onde ocorrera outro ataque. Os tropas que tinham ficado eram poucos. O segundo ataque foi em junho de 86. O terceiro foi quando mataram o Felizardo que foi secretário da Jota. Até aos confrontos de 1992, houve mais ataques..." fazendo recurso á memória de uma rapariga (em 11984) que já estudava a quarta classe, Ana acrescenta que "o primeiro ataque durou 3 dias, até que (regressado do Lwaty) Kandimba assumiu o controle da situação". Lamenta a perda de amigos, colegas de escola, parentes e conhecidos e finaliza:
_ É por isso nunca me esquecerei do ano 1984.

Olhando para as "sobras da guerra" (alusão ao romance de Ismael Mateus) quem vai ou passa por Kibala nota que o mais alto edifício são as instalações da moageira CAIMA (Companhia Angro-Industrial de Milho de Angola, instalada na década de sessenta do séc. XX e que tinha uma capacidade de processamento de aproximadamente 120 toneladas de milho por dia), que fica na EN 140, a que liga a Gabela ao Mussende, cortando diagonalmente a vila da Kibala. É uma pena que a CAIMA, detentora das marcas "canini e tari" esteja como está: parada e sem horizonte para a sua reabilitação.
Todavia, nem tudo são abrolhos. Entre as décadas 50 e 60 do século XX, a Kibala gabava-se de possuir aquele que era tido como "o melhor hotel do Império", propriedade do senhor Cunha. O libolense José Carlos de Oliveira Cunha "Oca", herdeiro do sobrenome e neto, confirma esse dado. "Situava-se ao pé da Administração municipal da Kibala, lado oposto".
A próxima melhor instalação hoteleira da Kibala vem pelas mãos de Eduardo Fernando, um natural que fez vida fora da circunscrição e decidiu juntar "patacas" para as investir em sua terra. Com três andares é tido como "o mais alto da circunscrição, depois do edifício da CAIMA. São acções como essas que replicadas fazem evoluir as localidades.
Impávida e persistente olha-nos, a partir do cimo do monte rochoso, o fortim, conferindo cada fracasso ou vitória dos homens e mulheres da Kibala que é eterna. E para terminar, que tal uma rua para homenagear o comandante Kandimba?
...
* Na variante local de Kimbundu significa: Não desprezes o baixinho, pois o homem mais alto nunca tocará os céus.

quarta-feira, setembro 25, 2024

LUCIANO CANHANGA (C.V.)

CURRICULUM VITAE 
LUCIANO ANTÓNIO CANHANGA
Principais Qualificações:
_____________________
·     Experiência em Comunicação (Jornalismo, Marketing, Assessoria de Imprensa), Docência e Gestão de Capital Humano.

Formação Acadêmica:
· UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA, PORTO, PT
Mestre em Ciências Empresariais, 2020. 
Tema: A Falta de Motivação e o Impacto nos Colaboradores: um estudo de caso no Ministério da Geologia e Minas 
FACULDADE DE AGUDOS, BRASIL
Pós-Gradução em Gestão Empresarial com foco em pessoas, 2015
·         Universidade Privada de Angola
Graduação em Comunicação Social                                           2008
·         Instituto Superior de Ciências de Educação
Didáctica de História (4º ano),                                                     2004   
·         Instituto Médio de Economia
Jornalismo,                                                                 1996                                             

Experiência Profissional:
_____________________
Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás:
- Director do GTICI, desde 2020 
- Director do GCII, 2018 a 2020 
Ministério de Geologia e Minas:
- Director do GRH, 2015-2018
Sociedade Mineira de Catoca, Lda:
- Assessor da Direcção de Organização e Pessoas, desde 2015 
- Chefe do Sector de Comunicação e Imagem de 2007 – 2015
- Chefe de Secção de Comunicação, Relações-Públicas e Protocolo 2006-2007 
Luanda Antena Comercial:
- Jornalista e Editor de 1996 - 2006
Rádio Difusão Portuguesa/Canal África
- Correspondente em Luanda, de 2004-2006
Jornal O Litoral
- Colunista desde 20023
Jornal de Economia & Finanças
- Colunista desde 2022 com pseudónimo Phande a Umba
Jornal de Angola
- Colunista desde 2017 com o pseudónimo Soberano Kanyanga
Jornal Nova Gazeta
- Colunista desde 2015 até à extrinção
Jornal Cultura
- Colunista, desde 2014
Semanário Angolense
- Colunista de 2014 até à extrinção
Semanário Cruzeiro do Sul
- Jornalista e articulista, 2009 até à extrinção

Jornal Expansão,
- Colunista (não permanente)
Instituto Superior Técnico de Angola
- Professor de Rádio e História do Jornalismo Angolano, 2015-2020
Instituto Superior Politécnico Lusíada da Lunda Sul
- Professor de Língua Portuguesa, 2013-2015
ULAN/Escola Superior Politécnica da Lunda Sul
- Professor de Língua Portuguesa, 2012- 2015
Igreja Metodista Unida-Moisés (Clube de Amigos do Jornalismo)
- Professor de Língua Portuguesa e Técnicas de Reportagem e Redacção, 1999-2001
Ministério da Educação:
- Professor primário, escola 524, 1996 -1998
Cursos Complementares:
__________________________
- Formação para membros de Conselhos Fiscais, ENAPP, 2024
- Curso de Economia Moderna, ENAPP, 2022
- Introdução à Administração Pública, ENAD, 2015
- Gestão de RH na Administração Pública, ENAD, 2016
- Planificação e Gestão da Formação, ENAD, 2017
- Gestão e Liderança de Equipas, INSIGNIS WEST; Lisboa, 2016
- Mini MBA sobre Administração e Gestão de Empresas, Catoca & Vantagem Mais, 2010.
- Relações Públicas Empresariais e de Estado, GESTINFOR, 2007
- Gestão de Crises, Catoca, 2006
- Gestão de Projectos, Catoca, 2007
- Avaliação de Desempenho, Accenture/Catoca, 2010.
- Gestão Moderna, Catoca & C4E, 2009
- Jornalismo de investigação, Banco Mundial e Centre WANAD, Bamako, 1998.
- Língua Portuguesa para jornalistas (Propedêutico), Univ. Catol. Angola, 2003.
- Jornalismo eleitoral, RTP e CEFOJOR, Luanda, 2005.
- Jornalismo digital e novas tecnologias de informação, Fund. Gulbenkian e Univ. Católica Portuguesa, 2005.
- Relações Económicas ACP-UE, Bruxelas, Bélgica, 2003.
- Oficina de Jornalismo, Saurimo, 2007.
Obras literárias
_________________________
- A Falta de Motivação e o Impacto nos Colaboradores: Estudo de caso no Ministério de Geologia e Minas, 2024 
- Kitotas: Recuos e avanços, 20023;
- O Sonho de Kaúia (romance), editora Mayamba, 2010; 
- Manongo-Nongo (Contos), TamodaEditora, 2012;
- 10Encantos (poesia) edição de autor, 2013;
- O Relógio do Velho Trinta (romance), Odracir/G.P. Bié-2014),
-O Coleccionador de Pirilampos (contos), LeyAngola-2014
- Canções ao vento (poesia) Creative by arp- 2015
- Amor sem pudor (poesia), Creative by arp-2018;
- As travessuras de Jack (novela) Tm Editora, Br, 2018
- Antologias: Angola (2), Portugal (1), Roménia (2), Brasil (1), África do Sul (5) e Chile (1).

Artigos:
___________________
- Bilinguismo entre os ambundu do Lubolu, 2023;
- A língua dos Kibala, Semanário Cruzeiro do Sul, 14 Novembro/07
- A língua dos Kibala: Kimbundu ou Ngoya?, Jornal Cultura, 24 Julho/16
- Os ambundu do Kwanza-Sul: delitos, transgressões e penalizações nas aldeias rurais, www.kalulo.com/index.php/cultura/antropologia
- Circuncisão entre os Kibala e Lubolu (iden)
- Visão do Estado Angolano sobre autoridade tradicionais (iden)
- Pescas fluviais no Lubolu e Kibala (iden)
- A indústria Rural dos Ambundu do Kwanza-Sul (iden)
- A caça entre os Lubolu e Kibala (iden)
- USOÑONA: Acto matrimonial entre os Lubolu, Kibala e outros ambundu do K.Sul, Jornal Cultura, 13 Maio/17

Blogues temáticos:
_____________________
- www.agricultarte.blogspot.com

 Línguas:
_____________________
·         Português (Fluente)
·         Inglês (Advanced)
·         Francês (noções elementares)
·         Kimbundu
·         Umbundu
·         Ucokwe (noções elementares)

domingo, setembro 01, 2024

TANQUES NA ROTUNDA DA KIBALA

Junto à entrada à EN140, que nos leva da Kibala ao Mus(s)ende, há uma rotunda. Olhando para a esquerda, estão dois terrenos devolutos que guardam segredos de uma História ainda por escrever.

A rodovia que liga as localidades de Kibala-Karyangu-Mus(s)ende foi asfaltada na segunda década deste século (XX). Até 2010, era uma sofrível picada de terra batida que nos dirigia à Oeste de Kibala, empestada de minas pessoais e anti-carros implantadas pela Unita.
Na rotunda, as casas e casebres abeiraram-se da rodovia, restando os dois terrenos ainda devolutos em que se acham dois artefactos militares, ou seja, dois tanques de guerra que, para contar a história das agruras por que Kibala passou de 1984 a 2002, se juntam aos edifícios totalmente desaparecidos (a exemplo do Hotel Império), aos escombros dos que foram totalmente dinamitados e destruídos (Hotel Cunha) aos que sofreram destruição parcial ou outros ligeiramente estropiados. Não há edifício que não tenha sofrido nos diversos ataques infligidos à Kibala desde o fatídico 12 de Junho de 1984, data do primeiro ataque da Unita, a 2002, ano da proclamação da paz que vivemos até hoje.
Francisco Pinto, 65 anos feitos em Agosto de 2024, conta que em 1992, depois da desmobilização das FAPLA e criação do que era chamado de "Exército Nacional Único", as FAA, o Batalhão 722 chefiado pelo comandante Kandimba havia sido extinto e o comandante desmobilizado.
"Quando entrámos para as eleições, era comandante da região, pelas FAA, o Cara Podre que não havia sido desmobilizado".
O antigo Oficial Operatrivo no Batalhão 722 e no "Exército Único" saído dos Acordos de Bicesse, avança que até Novembro de 1992, militantes do MPLA e da Unita ainda coabitavam na vila da Kibala e até diziam que as escaramuças de Luanda não deviam ser replicadas na Kibala. Porém, conta, surpreendentemente a UNITA se retirou para Katofe e começou a bombardear a vila, matando várias pessoas como o professor Smith e sua mãe.
"Eu era amigo pessoal de kandimba. Ainda o aconselhei a ir a Luanda, depois de desmobilizado, mas ele me respondeu que aguentaria mais um pouco".
Tendo em conta a situação criada pela Unita, prossegue Francisco Pinto, o Comandante Kandimba teve de organizar os antigos militares desmobilizados para defender a vilar, só que não conseguiu obter o número desejado, tendo em conta a dispersão e a desmotivação de alguns para uma nova guerra.
"Em Finais de Janeiro de 1993 a Kibala recebeu reforço de tropas vindas do Waku Kungu. Como nem todos se conheciam (os da Kibala e os vindos do Waku) a Unita aproveitou infiltrar-se entre as forças e tomou a Vila, concentrando todo o seu fogo sobre os tanques que já não se movimentavam. O comandante Kandimba estava no primeiro que, embora ainda disparasse, não tinha mobilidade".
Pinto narra ainda que quando foi atingido o tanque tinha esgotado as "salvas" e jura que "Kandimba não foi capturado nem enterrado pelos familiares, pois ele se retirou do local e terá morrido em local incerto".
Um dos dois tanques que se acham na rotunda possui ainda a parte cimeira e o cano. O outro, desintegrado, que conserva apenas o esqueleto central e as esteiras locomotivas é nesse em que, na madrugada do dia 09 de Fevereiro de 1993, segundo Francisco Filipe tombou em combate o comandante Pedro Manuel Biano "Kandimba".

sexta-feira, agosto 09, 2024

QUEM FOI O COMANDANTE KANDIMBA?

(Constructo)

"Kandimba toka, ombonge itunda yangu"! ¹

Ainda se canta na Kibala e arredores (até mesmo em Luanda), reflectindo a saudade e reconhecendo a valentia deste insigne filho de Angola que a memória colectiva deve preservar e honrar.

Comandante "Kandimba"

Este exercício visa recolher depoimentos de pessoas que estiveram perto dele, familiares, amigos, companheiros e camaradas nas gloriosas FAPLA, cidadãos do Kwanza-Sul e de Angola que conheceram o lendário Pedro Manuel Biano "Kandimba", ao que se diz "comandante do 2° batalhão da Brigada 150 e, posteriormente, comandante do Batalhão 722 (desmobilizado ao abrigo dos Acordos de Bicesse com a patente de Major)", actuando na Kibala e municípios circunvizinhos.

= DEPOIMENTOS=
(i) António Pinheiro "Folhas Caídas", integrante do Posto Comando Avançado da 7ª Região Político-Militar no Waku Kungu: descreve Kandimba como "um amigo pessoal e companheiro de arma".
Segundo Folhas Caídas, Pedro Manuel Biano era filho de Biano Kutatala e Nzamba Kitumba (Nzamb'Etumba), tendo nascido na aldeia de Galileia, regedoria de Kitangeleka, comuna da Sanga, município da Cela. "Esteve comigo em várias frentes. teve como esposas as senhoras Maria Manuel, Kilakhata e Cecília. Essa última suicidou-se com a arma pessoal do comandante, na vila de Kibala, nos anos oitenta".
Segundo Folhas Caídas, Pedro Biano ganhou a alcunha de Kandimba devido a sua sagacidade, na infância, tendo em conta que era filho e seguidor dos passos do seu pai que era um exímio caçador.
"Foi o senhor Fifas, um português, empregado da fazenda do senhor João Simão Nabiças (na região de Sanga) que o nomeou Kandimba".
Acrescenta que Kandimba ingressou nas FAPLA via ODP (Organização de Defesa Popular) na aldeia de Kitangeleka. "Entre os anos de 1979 ou 1980, face a adaptação das FAPLA vindas da guerrilha à Exército Convencional, houve a necessidade de se criar a brigada 150. Ele foi seleccionado para o Regimento Militar de Katofe onde recebeu instrução militar e passou de ODP a militar regular da Brigada comandada pelo 1º Tenente Neves Ferreira. Kandimba comandou o 3ª Batalhão da Brigada 150 e, com a posterior criação dos batalhões territoriais para conter os ataques da Unita às sedes municipais, foi criado o Batalhão 722 que ficou estacionado na Kibala, sob comando de Kandimba, dependendo da 7ª Região Político-Militar (Benguela) e com um Posto de Comando Avançado (PCA) na Cela, comandado pelo Capitão Luciano Pereira".
Hoje, oficial Superior da Polícia Nacional, António Pinheiro "Folhas Caídas" explica que Kandimba actuou no triângulo Kibala-Hebo-Waku-Kungu, onde, por outro lado a Unita operava com colunas fortes como Salva Terra, Mwangay, Negritude e Grito do Povo.
"Lembro uma missão que havíamos recebido do General Armando da Cruz Neto (Chefe da 7º Região), juntando o batalhão do comandante Kandimba, do comandante Joaquim José Lunga "Cara Podre" e outras forças para desmantelar uma base da Unita em Kas)s)onge e que não correu como previsto. "Kandimba ficou ferido e tive de organizar uma ambulância para o levar ao Hospital da Região, mas ele preferiu ser levado ao soba da aldeia da Sanga para um tratamento caseiro.
Folhas Caídas diz que "Kandimba era um comandante que se impunha e que era respeitado, mas como homem também teve suas fraquezas (pouco conhecidas pelos civis).
"Quando o Chefe-de-Estado Maior, General França Ndalu e o Comandante da 7ª Região, Armando da Cruz Neto, decidiram mover a Brigada 150 para o Kwemba, Kandimba rejeitou e foram movidos à força para o Bié, de onde ele desertou temporariamente (fixando-se em Luanda), tendo sido punido e regressado, tempo depois à Kibala onde organizou o Batalhão 722. Nessa altura eu também fui movido da Cela para a Frente Centro, no Huambo", conta Folhas Caídas.
Sobre os últimos dias de Kandimba, Pinheiro diz: Um dos factos que me marcou foi em 1992. Estávamos ambos desmobilizados, à luz dos Acordos de Bicesse. Depois da negação dos resultados eleitorais a UNITA, praticamente, ocupou a vila de Kibala. Ele convidou-me para atacar as FALA e eu discordei dele, porque o inimigo estava em maior número. Ele entendeu mobilizar efectivos desmobilizados e os atacou. Conseguiu expulsar o inimigo da vila, porém, as FALA reagruparam-se, fizeram um contra-ataque e ele tombou em combate. Dois dias antes, conversámos. Ainda me chamou nomes como cobarde...

(ii) António Ferreira, Ex-Comissário Político do Batalhão 722, corrobora a versão de Folhas Caídas, quanto ao período e episódios que antecedram a criação do batalhão 772, embora diga que "foi a pedido doas sobas que estavam fartos das faltas de respeito da Unita". A propósito, Folhas caídas diz que participou da redacção do manifesto enviado ao Comissário Provincial, e deste ao Comando da Região Militar, alegando "ser pedido da população da Kibala", o que possibilitou a sua soltura da cadeia em que se encontrava após deserção. António Ferreira confirma ainda as informações prestadas por Pedro Muhongo (vide abaixo), sobre o trajecto da 150 BIL "até Kwemba e Munyangu (Munhango)".
(iii) Lino Guimarães Fernando, ex-soldado do 2º Pelotão da 8ª Companhia do Batalhão 722, com a função de activista político do pelotão: "Pedro Manuel Biano 'Kandimba' foi Comandante do Batalhão 722, pertencente à 7ª Região Político-Militar que tinha o seu comando regional em Benguela, comandada pelo general Armando da Cruz Neto 'Maluco'.
Kandimba gostava de ter a sua tropa bem disciplinada e os indisciplinados eram repudiados e castigados. Para organizar e disciplinar a tropa, tinha o seguinte slogan, 'nós somos cerca de 3000 homens. Eu prefiro ter 300 organizados a 3000 desorganizados'.
Ele descrevia a sigla FAPLA como 'Foram Armados Pelo Povo Para Libertar Angola'. Kandimba era muito rigoroso no cumprimento das missões que ordenava e as que ele próprio cumpria, esperando sempre por resultados positivos e nunca a derrota. A sua residência oficial era na rua em que ficavam as antigas instalações da Segurança do Estado, na vila da Kibala.
Operava normalmente com as primeiras três companhias do Batalhão 722, nomeadamente, 1ª, 2ª e 3ª, que ele considerava sua tropa de elite. O sargento-maior Evaristo José Bernardo, 'Xiña Wanga', da 3ª Companhia, era um dos seus estrategas nas grandes operações e dos seus principais seguidores.
Combateu no município da Kibala e, sempre que fosse requerida a sua intervenção, nos circunvizinhos da Gabela, Libolo, Hebo, Kondé, Waku Kungu, entre outros. Era muito respeitador da população e não gostava de escutar que um soldado das FAPLA maltratou ou retirou haveres de um popular.
Em meados de 1987, o 1º Pelotão da 8ª Companhia do Batalhão 722, que era comandado pelo seu irmão mais novo José Biano, destacado na montanha próxima ao bairro Kakata, depois do bairro Kapezo, foi atacado pelas Unita, tendo o chefe do pelotão perdido a sua arma de fogo do tipo a AKM. Em função deste acontecimento decidiu retirar toda 8º Companhia que se encontrava destacada na protecção da via Luanda-Huambo, incluindo nós que estávamos destacados na montanha junto às antigas bombas de combustível da Shell, para o comando do Batalhão 722 na sede municipal da Kibala, e destacado na Fortaleza.
A 18 de Dezembro de 1987, foi-nos incumbida uma operação militar, entrando pela comuna do Ndala Kaxibo, tendo o comandante Kandimba, dito ao seu irmão menor José Biano, em plena parada o seguinte: Deixaste o inimigo levar a tua arma. Não te darei mais arma. Avisei-te para ficares a cuidar da nossa mãe porque eu já sou militar, mas não aceitaste. Agora tu é que sabes se levas pedras ou cassete. Fomos com nosso colega desarmando e regressámos da missão no dia 27 de Dezembro.

(iv) José Kassola: Ele nasceu no Waku, na fronteira entre o Waku Kungo e Kibala. O irmão do Senhor Beto Kadaff, foi Motorista do comandante Kandimba. Lembro quando o Sr. Biano foi atropelado pelo seu próprio motorista que era primo dele. O homem carregava na Land Rover prisioneiros feridos da unita que seriam levados num helicóptero vindo comando da Região, em Benguela. Esteve presente o Comandante Seteko da 7ª Região. O Comandante Pedro Manuel Biano quase morria naquele incidente. O primo motorista aproximava-se do helicóptero para descarregar os soldados da UNITA feridos e capturados, para serem transferido para a Sétima Região. Ele sentiu medo das hélices, fez marcha atrás, sem olhar o Comandante Kandimba que estava a conversar com o Comandante Seteko. Pimbas! Caiu atropelado. Os óculos partiram e o Comandante Seteko levantou o Kandimba já com os olhos vermelhos.
A outra cena de que me lembro foi numa das efemérides, ou seja, feriado do Partido (MPLA), realizado às 12h00 horas, em que Kandimba quase seria capturado na Vila, mas avisou os demais chefes do Partido MPLA para que deixassem o espaço o mais rápido possível. Ele saiu sem que ninguém o visse e depois começou o fogo da UNITA dentro do recinto da festa. Ali tombou o 1° Secretário da JMPLA da Kibala, o jovem Felizardo.
Na rotunda que liga a EN 120 e EN 140


(v) Pedro Muhongo: Convivi com ele de 1983 a 1986. Conheci-o na tropa, isto em Katofe (Kibala) no Regimento de Tropas Cubanas, quando foi submetido ao curso intensivo de comandante de tropas, no âmbito de correlação de forças no teatro das operações, função que já vinha desempenhando há vários anos. Estamos lembrados que a década de 80 (séc. XX) foi a época mais difícil no país para quem integrou as FAPLA. Observamos quão era difícil a situação. Essa formação visava a criação de uma unidade específica, moderna e adequada, com efectivos capazes à altura dos desafios que a situação impunha. A unidade de combate foi criada em Agosto de 1983 e, se a memória não me atraiçoa, chamava -se (na altura) 150 BIL (Centésima Quinquagésima Brigada de Infantaria Ligeira) de onde Kandimba viria a ser comandante do 3° Batalhão ora criado e ostentava o grau militar de 2° Tenente, resultante da formação recebida. Aí o conheci e seguiu-se uma vida militar intensa. Eu fazia parte da 150 BI), mas numa sub-unidade do Comando da Brigada e com frequência era chamado ao apoio do Batalhão comandado por Kandimba.
Por razões de várias missões chamados a cumprir, entre 1985, a 150 BIL foi movimenta para Malanje (9° Região Político Militar), passando por Kalulu, depois pelo Kis(s)ongo, caminhando para a região militar das FALA (forças da UNITA) chamada 93 RM, localizada no planalto (entre Kuanza-Sul e Bié), abrangendo o corredor de Kalus(s)inga, depois rumando para Malanje, mas feito o trajecto na Kitúbya, Luso, Gango, em direcção ao Povo do Hako, Kyenha, passando na Kipumba, caminhando até às margens do gigante Rio Kwanza. Na altura a barragem de Kapanda estava no início da sua construção. Aí transpusemos a margem contrária do Rio Kwanza, seguindo para Pungo a Ndongo, Kakuzu e cidade de Malanje. As missões continuaram na província de Malanje, depois para município de Kunda Dyabase, passando por Kakulama, Kela e às áreas da Baixa de Kas(s)anje. Em Janeiro de 1986, atingimos a localidade de Kafunfo e Kas(s)anje Kalukala. Aí o Kandimba ficou doente (meados de Janeiro de 1986) e foi levado ao hospital da Região Militar na cidade de Malanje. Depois que a saúde dele se restabeleceu, beneficiou de uma licença disciplinar (férias) para a terra natal (Kibala). De lá já não mais regressou ao Comando do seu Batalhão e na Kibala criou o batalhão 722, que comandou até 1992 ao abrigo dos acordos de paz para Angola (Bicesse).

(vi) Francisco Pinto, 65 anos feitos em Agosto de 2024, conta que em 1992, depois da desmobilização das FAPLA e criação do que era chamado de "Exército Nacional Único", as FAA, o Batalhão 722, organizado e chefiado pelo comandante Kandimba, havia sido extinto e o comandante desmobilizado com a patente de Major.
"Depois das eleições, era comandante da região, pelas FAA, o Cara Podre que não havia sido desmobilizado".
O antigo Oficial Operativo no Batalhão 722 e no "Exército Único" saído dos Acordos de Bicesse, avança que até Novembro de 1992, militantes do MPLA e da Unita ainda coabitavam na vila da Kibala e até diziam que "as escaramuças de Luanda não deviam ser replicadas na Kibala". Porém, conta, surpreendentemente, a UNITA retirou-se para Katofe e começou a bombardear a vila, matando várias pessoas como o professor Smith e sua mãe.
"Eu era amigo pessoal de kandimba. Ainda o aconselhei a ir a Luanda, depois de desmobilizado, mas ele me respondeu que aguentaria mais um pouco".
Tendo em conta a situação criada pela Unita, prossegue Francisco Pinto, o Comandante Kandimba teve de organizar os antigos militares desmobilizados para defender a vilar, só que não conseguiu obter o número desejado, tendo em conta a dispersão e a desmotivação de alguns para uma nova guerra.
"Em Finais de Janeiro de 1993 a Kibala recebeu reforço de tropas vindas do Waku Kungu. Como nem todos se conheciam (os da Kibala e os vindos do Waku) a Unita aproveitou infiltrar-se entre as forças e tomou a Vila. A Unita concentrou todo o seu fogo sobre os tanques e o comandante Kandimba estava no primeiro que, embora ainda disparasse, não tinha mobilidade".
Pinto narra ainda que quando foi atingido o tanque tinha esgotado as "salvas" e jura que "Kandimba não foi capturado nem enterrado pelos familiares, pois ele se retirou do local e terá morrido em local incerto".
Um dos dois tanques que se acham na rotunda (à entrada da EN 140 que nos leva a Karyangu) possui ainda a parte cimeira e o cano. O outro, desintegrado, que conserva apenas o esqueleto central e as esteiras locomotivas é nesse em que, na madrugada do dia 09 de Fevereiro de 1993, segundo Francisco Filipe tombou em combate o comandante Pedro Manuel Biano "Kandimba".
O sepultamento de Kandimba é um enigma. A respeito, Muhongo diz que seria importante perguntar aos padres que enterraram os corpos não reclamados e aferir se o do comandante estava entre estes, mas, acrescenta, que "ele mesmo dizia que quando morresse o seu corpo nunca seria enterrado".

(vii) Filipe Albino: Tombou em combate na madrugada do dia 13 Fevereiro de 1993, na Kibala.
Foi atingido nesse Tanque

(viii) Tiago Phande, 62 anos, ex-militar natural e residente na Kibala, narra que foi professor e incorporado em 1982 na ODP, em Mukitixi, integrando o Batalhão Interno (BI) constituído por trabalhadores da Fazenda que tinham sido desmobilizados das FAPLA. Atesta que quando Kandimba formou o Batalhão 722, o BI já existia. Acrescenta que a 12 de Junho, quando se dá o primeiro ataque da UNITA à Kibala, a Brigada 150 encontrava-se em operações militares na região de Ndal'Axipo (Dala Caxibo), ficando na vila apenas a ODP e o CPPA (polícia). A Brigada teve de regressar para desalojar a UNITA.
"Foi nesse primeiro ataque que foram dinamitados e destruídos muitos edifícios da Kibala", conta, algo revoltado.
Tiago Phande confirma o relato de Folhas Caídas (António Pinheiro) sobre a deserção de Kandimba do Munyangu e sua prisão punitiva. "Isso aconteceu em 1986 quando a Brigada 150 em que ele era chefe de um Batalhão foi movida para o Bié".
Sobre os últimos anos do comandante Kandimba, Tiago afirma que "em 1993, a tropa estava desmobilizada, incluindo o próprio comandante Kandimba. Aproveitando-se da situação, a Unita, que nunca se desarmou, ocupou a Kibala e o comandante teve de reorganizar os ex-FAPLA que estavam disponíveis para expulsar a UNITA da vila. Foi nessas circunstâncias que conseguiu expulsá-los, mas eles se foram reorganizar e no contra-ataque, atingiram o comandante, cujo corpo não foi nem tomado pelo inimigo, nem sepultado pela população".
Phande conclui que após a morte de Kandimba (1993), a Unita ocupou a vila por muitos anos. OPs órgãos da administração do município estavam na Gabela e a tropa no território da Kibala era dirigida pelo comandante Cara Podre que veio a falecer em consequência de um ataque à sua comitiva, junto ao Rio Nyha (Nhia). "Não foi atingido por uma bala. Ele jogou-se no rio e o cadáver foi encontrado, dias depois sem vida".

=Glossário=
1-Kandimba venha porque cresce capim na cidade. Por outras palavras: vem escorraçar a Unita da sede municipal.
2- CPPA: Corpo de Polícia Popular de Angola.

NOTA: Texto publicado em três edições pelo jornal Pungo a Ndongo.
Você pode contribuir, escrevendo para o e-mail: Lcanhanga@hotmail.com