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terça-feira, janeiro 15, 2019

A CAÇA ENTRE OS LUBOLU E KIBALA

           
Nunca é demais explicar que o meu engodo pela descrição de factos vividos e presenciados no Lubolu e Kibala resultam da minha descendência Lubolista/Kibalista.
Nestas linhas tentarei trazer à memória episódios distanciados há mais de trinta e cinco , mas que se mantêm intactos fruto de idas constantes á região e recomposição dos traços e factos culturais dos povos em descrição.
Embora sedentários, a caça entre os povos que habitam o Lubolu (Libolo) e  Kibala é uma actividade de importância transcendental, na medida em que permite o enriquecimento da dieta alimentar. Serve igualmente de exercício para aptidões mentais e físicas. Pois só homens dotados de inteligência e robustez são capazes de conseguir presas e desfazer-se de iminentes predadores.

No Lubolu e Kabala, tal como em toda Angola, o ano é composto de duas estações: a estação chuvosa (nvula) que é mais longa (9 meses) e a estação seca, também conhecida como (kixibo) cacimbo. É nessa última que mais se pratica a caça por meio de queimadas (uximika mwízo).
As grandes extensões de terras comunitárias, incluindo as de caça, são, em teoria, "pertença" do soba/rei. O direito consuetudinário impõe limites geográficos não muito tangíveis, mas invioláveis. Ninguém, sem autorização do soba/rei, deve atear fogo ao capim para a prática da caça.
É o soba ou são os mais velhos da comunidade, competentemente autorizados, a quem cabe delinear o programa de caças durante os três meses de tempo seco.
Antes de se fazerem ao mato para a caça colectiva, são preparados minuciosamente os instrumentos: la honji l'isongo (arcos e flechas), l'ombwa (cães), salamba (cesto de junco para transporte de animais de pequeno porte e carne limpa), tubia/tibia (lume), lambala,(archotes), lungwa (cone feito de malha metálica), mbwety/ñondo (cacetes), etc., bem como o roteiro. As instruções são passadas ao pormenor e o seu cumprimento é seguido à risca. Qualquer desvio pode, não só, perigar a vida dos caçadores, mas também fracassar a caçada.
Para a operação, grandes espaços de capim seco são cercados e é ateado o fogo. A operação é feita de tal forma que os animais que se encontrem no espaço a arder tenham apenas uma escapatória. Geralmente áreas já queimadas, pequenas florestas, encostas de rios com pouca vegetação, etc. Terminada a queima do capim e com a ajuda de cães, arcos e flechas e outras armadilhas e artefactos, passa-se à procura dos animais que tenham escapado ao cerco.
Enquanto os mais velhos da comunidade se responsabilizam por apanhar os animais, os mais novos têm por missão carregá-los até ao local combinado para a limpeza e divisão. Por cada animal carregado, qualquer que seja o seu porte, um pedaço de carne era/é destinado ao transportador. Uma parte (metade do animal) é/era para o caçador e outra para os integrantes da caçada que a repartem em pedaços mais ou menos iguais. Utona é o termo que se aplica ao acto de repartir os proventos da caça entre os caçadores.
Ao (mwen'axi) "dono da terra" (rei/soba) ficam igualmente salvaguardados os seus direitos. Importantes pedaços de carne vão ao "palácio real" (zemba) para o seu consumo e dos visitantes da aldeia, pois é para lá que se dirigem aqueles que estejam de passagem e que não tenham família na aldeia.
Existe entre os Lubolu e Kibala outras formas de caçar. No período chuvoso ou impróprio para queimadas, usam-se armadilhas metálicos (otwela), rudimentares como a pumba (obolo/indamba), laços (nzomba) e ainda armas de caça. Aqui, sendo actos individuais, o produto da caça isenta-se de obrigações sociais, salvo para com o mwen'axi e familiares directos.
As armadilhas são normalmente colocadas nos atalhos, por onde passam frequentemente os animais para os locais de alimentação e ou abebeiramento, ao passo que com as armas procuram-se igualmente por locais onde se possam encontrar animais que procuram por relva fresca ou água.
Lebres, pacas, seixas, veados, corças, nunces, palancas (castanhas), pacaças, raposas, cabras-de-leque, javalis, porcos-espinhos, canta-pedras mangustos e outras espécies são abundantes e, por isso, os mais caçados. Predadores como hienas, leões, leopardos, jacarés  e onças também habitam a região.
As carnes de moma (jibóia) e de nguvo (hipopótamo) são igualmente apreciadas pelos ambundu do Kwanza-Sul. A onça (ongo), enquanto animal "sagrado", deve ser presente ao rei/soba da aldeia e com ele fica a pele, símbolo de poder.
Soberano Kanyangta