Número total de visualizações de páginas

sábado, janeiro 31, 2009

TEXTOS ECONÓMICOS OU SOCIAIS?


Amigo Evaristo*,

Há um defeito nosso, enquanto jornalistas económicos, ao pensarmos que a economia nos remete necessariamente aos números. Conclusão: Acabamos, muitas vezes, por não informar. O cidadão, por exemplo, ouve ou lê que "o governo ou a empresa X gastou 200 milhões de dólares em construção de uma escola" sem que se lhe diga quantos beneficiários ou até mesmo as dimensões da escola, para que ele (destinatário da mensagem) tenha uma ideia mais realista.

Os textos descritivos, com grande pender económico, muitas vezes são passados para a página social por falta de "milhões", esquecendo-nos, muitas vezes, que a economia é uma ciência Social... E por isso estão casadas.

É por isso, agora nas minhas vestes de comunicador empresarial, (tenho tempo para me colocar na condição de receptor) que começo a ter dificuldade em escrever o que os Jornalistas/ editores consideram de eminentemente matérias económicas.

Será que enquanto mais números houver isso determina o conteúdo económico da peça jornalística? Será possível escrever sobre economia sem os efeitos sociais, sendo ela uma ciência social?

Para além desta reflexões, remeto-te em anexo um texto que tenho igualmente dificuldade em situar. Se entre os "sociais" ou entre os económicos.


Exemplo


CATOCA AFECTA 2% DO LUCRO À RESPONSABILIDADE SOCIAL


Localizada na Província da Lunda Sul a Sociedade Mineira de Catoca, empresa diamantífera comparticipada pela ENDIAMA, ALROSA, Lev Leviev e Odebrecht, tem como aposta, no âmbito da sua responsabilidade social, o desenvolvimento de projectos auto-sustentados.


Mais de trinta projectos foram esboçados para 2008, 2009 e 2010, com destaque para escolas, centros médicos, lavras comunitárias, energia e água, campo de futebol, quadra poli-desportiva, entre outras benfeitorias que se vão juntar as 4 escolas já erguidas e equipadas, um posto médico, fontanários e o projecto merenda escolar que atende cerca de 25 mil alunos dos arredores do empreendimento mineiro e do município sede da Lunda Sul, Saurimo.


O valor global destas empreitadas é oculto, mas é sabido que os sócios decidiram aplicar 2% do lucro anual da empresa à materialização deste desiderato.

“Aqui preferimos falar do que fazemos e não do que gastamos… É mais gratificante ouvir e ver os beneficiários Contentes do que anunciarmos números financeiros”disse uma fonte bem colocada mas que preferiu o anonimato.


A menos de 2 quilómetro da empresa, na aldeia de Saipupo, nasce a mais nova lavra comunitária que Catoca ajuda a implementar naquela comunidade. São perto de oito hectares de terra arável, já desbravada.

Depois do derrube das árvores, que nesta região quase impedem os agricultores de preparar grandes extensões de terra, o tractor já gradeia o terreno que em breve recebe sementeiras.
“É que depois de tudo pronto, teremos mais comida e ainda podemos vender o resto a Catoca”, explicou Segunda Upale, camponesa da aldeia de Saipupo.

A 35 km de Catoca fica a aldeia de Ngandu. Aqui o investimento é bem maior. a empresa patrocinadora aposta numa escola, um posto médico, um infantário, uma lavra comunitária de 30 hectares e um Jango comunitário com sinal de TV. “São obras simultâneas que vão conferir uma qualidade de vida a essa população”, explica o encarregado de obras. A disciplina laboral obriga a que os trabalhadores do empreendimento não assumam os rostos nem falem em quantidades monetárias.


O investimento cujos números não foram revelados consta de um plano ambicioso aprovado pelo conselho de sócios em Abril último e que prevê a afectação de 2% do lucro líquido anual da empresa à Responsabilidade Social.

”Os tempos são difíceis, devido ao impacto da crise económica, mas há projectos que devem terminar , sendo exemplo disso as obras no Nagandu e Saipupo,rematou a fonte a que temos vindo a fazer alusão .


A maior diamantífera do país rendeu no ano transacto aos cofres do estado, só em impostos, um total de 106,3 milhões de dólares referentes a IRT, Royalities, FFSS, Imposto sobre aplicação de capital e imposto industrial para além de avultados montantes aplicados em Responsabilidade social como: Construção e manutenção de escolas e fontanários, compra de um autocarro para cinema itinerante, programa merenda escolar para mais de 20 mil alunos de Saurimo, assistência médica a dependentes de trabalhadores, entre outras acções.


No tocante à sua produção, em 2007, Catoca vendeu um total de 6.118.174 kilates de diamantes que permitiram uma arrecadação de 451,4 milhões de dólares americanos. Segundo o Relatório desta empresa, estampado no site http://www.catoca.com/, o volume de vendas de Catoca em 2007 representou 76% do total das diamantíferas angolanas>.


Um abraço

* Reprodução de uma comunicação mantida com o jornalista
Evaristo Mulaza

Luciano Canhanga


terça-feira, janeiro 13, 2009

PESCARIAS FLUVIAIS NO LUBOLO E KIBALA


Os ambundu do Kuanza-sul, província angolana cercada pelo Bengo, Benguela, Huambo, Bié, Malanje e Kuanza-Norte, são tanto, agropecuários, quanto caçadores e pescadores, actividades que melhoram a dieta, de si já rica, visto serem povos há muito sedentários.
A pesca é feita normalmente em rios, visto inexistirem chanas e lagos na região. Rios como o Kuanza, Longa, Nhia, Phumbiji, entre outros, oferecem variadíssimos peixes, alguns de grande porte. O nguingui/phonde (bagre grande), òlundo (bagre pequeno) icusso/ikele (tilápia), òtimpa, iriuriu, (tuqueia), phele (espécie de corvina), hála (caranguejo de água doce), entre outras espécies, abundam as águas destas paragens.

Os povos Lubolo e Kibala pescam durante todo o ano, independentemente da estação. Apenas mudam os meios ou instrumentos, embora os meses de Julho, Agosto Setembro e Outubro, devido à baixa dos caudais, sejam os de maior aproximação do homem aos cardumes e concomitantemente os de maior produtividade.

Os anzóis são usados em qualquer época do ano, quer como armadilha quer como instrumentos de pesca imediata. A par dos anzóis os ambundu do Lubolo e Kibala também usam as nassas (munjia/musua), cestos (kuálo) e composições de determinadas ervas que depois de trituradas são jogadas na água (kuimba) para entorpecer os cardumes que seguidamente são apanhados com os cestos. Esse tipo de pescaria é usado somente em pequenos rios ou trechos isolados pela seca do rio. Usa-se ainda a "tarrafa" através de arremesso de redes (uanda) e armadilhas de redes.

Quanto à produção dos instrumentos de pesca, os anzóis são normalmente de produção industrial, mas na sua ausência improvisam-se os de produção artesanal. Um pedaço de arame ou fio metálico, desde que maleável, serve de matéria-prima. A cana é normalmente um caniço improvisado e a linha é normalmente de nylon. As comunidades rurais e tradicionalistas desconhecem o uso dos carretos na pesca, embora usem as chumbadas (o meu pai usava e foi com ele que aprendi a pescar no rio). A garotada, sobretudo, aprecia acoplar à linha um objecto flutuante (casca seca de cabaça) que sinaliza sempre que o peixe pique à isca. Isso torna a pesca menos frustrante e sobretudo relaxante. Quanto à isca, esta é normalmente à base de minhoca, salalé (térmita), pedaços de carne, peixe miúdo e outros condimentos. As redes são feitas igualmente de Nylon e de cordas silvestres (redes de arremesso) carregadas de esferas confeccionadas à base de argila (matalhi/matadi). As nasssas (muzua/munjia) e cestos (kuálo) são feitos à base de fibras de junco ou palmeira.

Para o êxito da pescaria nocturna, os povos do Lubolo e Kibala jogam também com a posição da lua, pois enquanto mais luz houver, menor serão os resultados.

Ao contrário da caça, a pesca é normalmente individual ou familiar (pai e filhos ou sobrinhos). Há ocasiões em que é realizada de forma colectiva. A aldeia toda ou parte dela organiza a pescaria e os proventos são repartidos de forma quase equitativa, compensando-se os menos afortunados.

A sociedade rural, embora tenda a evoluir para o modelo patrilinear, vive ainda fortes resquícios do matrilinearismo, daí que o sobrinho ainda exerce grande influência e goza de regalias do tio (irmão da mãe) em relação ao filho. É ao sobrinho que ainda se contam os segredos e este vê igualmente o tio como o guardião das suas confidências e projectos. Aos cinco anos os rapazes iniciam-se na pesca com instrumentos simples.

(Foto pescada na net)
Luciano Canhanga

quinta-feira, janeiro 01, 2009

A CIRCUNCISÃO ENTRE OS LUBOLU E KIBALA

Falei hoje com o Reverendo Gabriel Vinte e Cinco, meu guia espiritual neste “reencontrar origens” e encontrei muitos amigos anónimos na net que também se dedicam à causa: trazer a verdade sobre os Ambundu do Kwanza-Sul.
E tento falar, de forma vivencial, sobre a circuncisão entre os Ambundu do Kwanza-Sul (Lubolu, Kipala, Kisama*, Haco e Sende)1. Ao contrário dos Bakongo que por norma efectuam a circuncisão à nascença, os povos do Lubolu e Kibala, mandam os rapazes para a "casa de água" (onzo-i-mesma) na adolescência ou na segunda infância. Aí entre os seis ou sete aos quatorze anos de idade. 
O acto, a circuncisão, chama-se Ùtina. Consiste no corte do prepúcio. Se nas sociedades modernas tal cirurgia é efectuada por um médico ou para-médico, nas sociedades tradicionalistas é chamado um "mestre" (Mesene) para o fazer.
Normalmente, o "mestre" fá-lo à sangue-frio. Aconteceu comigo em 1982. A operação acontece normalmente, junto a um ribeiro e bastante isolado da aldeia, para que estranhos não visitem os cadetes, tão pouco haja contacto entre mulheres gestantes e estes mancebos.

Aos olhos dos garotos o "mestre" é um individuo de olhos ensanguentados, talvez devido ao muito sangue que fez derramar e que seus olhos já viram. É um individuo muito temido pelos garotos que ainda não frequentaram a escola de iniciação, que se apavoram à sua passagem, e também respeitado pelos pais. A enfrenta-lo ficam apenas aqueles que não têm outra saída senão enfrentar este desafio de vida ou morte e que lhes dará um novo estatuto social na comunidade.

A operação acontece normalmente, junto a um ribeiro e bastante isolado da aldeia, para que estranhos não visitem os circuncidados, tão pouco haja contacto entre mulheres gestantes e estes mancebos. O makyakya ou kaporroto (álcool destilado) serve de esterilizante da navalha do "mestre" depois de cada "cirurgia".
Um ajudante ou um parente próximo dos mancebos ajuda o mestre, agarrando as mãos e prendendo igualmente as pernas do “paciente” imobilizado. Terminada a operação, o cadete senta-se em uma pedra ou um tronco onde deixa escorrer o sangue da cirurgia e lhe são colocados alguns “milongos” à base de folhas medicinais e outros pós também de origem vegetal. O período que demora a cura é também de aprendizagem de várias artes e ofícios, como: caçar e pescar e são também transmitidas aos noviços noções como a sexualidade, vida familiar e social, bem como a feitura de armadilhas e utensílios. 
Njine é a designação atribuída ao pénis circuncidado, ao contrário de Kifutu (incircunciso). Um homem que tenha “passado pela faca” ganha na sociedade um novo estatuto. Torna-se um homem maduro. Por isso a própria sociedade, condena determinadas acções, como tomar banho desnudado e em público, por menos idade que tenha. É já um homem que deve ser respeitado e diferente dos outros rapazes, ainda que da sua idade, mas que não tenham passado pela “casa de água”. A alimentação dos mancebos é feita de forma cuidada e selectiva. Não se alimentam de ervas, e só pessoas que não mantenham relações sexuais durante o “aquartelamento”podem cuidar, quer da alimentação, quer da guarda, dos circuncidados. 

Dizia-se no meu tempo que nunca se comia do bem e melhor do que no acampamento dos circunciso. Só depois de curado o último mancebos é que o grupo regressa à casa. No fim, uma zagaia (arco) e uma flecha (honji li musongo) são entregues a cada um dos cadetes que perfilam e caminham até à aldeia. Cada mancebo exercita disparando a flecha contra a porta de casa (podem ser várias casas indicadas) e são-lhe dadas algumas oferendas. 

É ponto assente que ao longo dos anos muitos cadetes não resistiram à hemorragia e sucumbiram o que tem levado as comunidades a encontrar um meio termo entre o moderno e o tradicional. Um enfermeiro, em vez de um artesão; lâminas individuais em vez de uma faca colectiva; anestesia em vez de à sangue-frio; entre outras inovações de que sou apologista, mas sem que desvirtue a vertente social e educativa da circuncisão. Não há, nesta região, registos orais sobre ocorrência, mesmo em períodos muito recuados, de incisão genital feminina, tão pouco de acampamentos de iniciação de raparigas que entretanto se casam muito cedo, comparativamente aos centros urbanos. A sociedade rural Libolense e Kibalense é permissiva à poligamia, condenando, porém, veementemente o adultério feminino e a poliandria que são sancionados com avultadas multas pecuniárias ao homem infractor, bem como de castigos físicos.

O Soba, entidade administrativa da aldeia, também administra a aplicação da justiça comunitária com base no direito consuetudinário.

Os tempos modernos são de busca de combinação entre o moderno e o tradicional, encontrando-se já os sobas a trabalhar lado a lado com os secretários de aldeias, os administradores comunais e os chefes das esquadras policiais mais próximas, buscando um equilíbrio entre o direito positivo e o costumeiro.

*Kissama foi até à criação da província do Bengo, território sob jurisdição da província do Kuanza Sul. Foi igualmente, tal qual o Libolo e outras, dependência do Rei Ngola. Vinte e Cinco, Gabriel: Jornal de Angola, 28/12/2008