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quinta-feira, novembro 15, 2018

OS AMBUNDU DO K-SUL: DELITOS, TRANSGRESSÕES E PENALIZAÇÕES

Os Ambundo do Kwanza-Sul: delitos, transgressões e penalizações nas aldeias rurais
A autoridade tradicional é imposta por procedimentos considerados legítimos porque sempre teria existido, e é aceite em nome de uma tradição reconhecida como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse tipo é definido por um sistema de status, cujos poderes são determinados, em primeiro lugar, por prescrições concretas da ordem tradicional e, em segundo lugar, pela autoridade de outras pessoas que estão acima de um status particular no sistema hierárquico estabelecido (Max Webber).
 
Para além dos meus primeiros dez anos de vida passados em aldeias rurais do Lubolu (Libolo) e arredores, tenho-me servido de idas constantes à região que descrevo para "in situ" reviver o "modus vivendi e operandi" destes povos.
As comunidades rurais do Lubolu, Kibala e doutros povos ambundu que habitam o território da província angolana do Kwanza-Sul, apesar de não possuírem uma pauta que tipifique o que são delitos e o que são transgressões, nem tão pouco as penalizações para cada desvio de conduta social, têm um sistema jurídico baseado em mores e hábitos aceites universalmente pela comunidade e que têm o peso de lei.
 Ukambula é o termo que, traduzido para português, equivale a cometer delito ou desviar-se socialmente. A autoridade administrativa e a sua corte, no caso o rei/soba é também o garante da legalidade na sua jurisdição, sendo auxiliado na administração da justiça pelo Ñgana Thandela (espécie de ministro da justiça) que é perante a corte o responsável pela aplicação da lei.
O delito maior é o assassinato ou seja a morte de alguém, de forma voluntária, o que pressupõe dizer que o direito à vida é o principal que a sociedade atribui ao homem.
Roubos, furtos, violações, falsos testemunhos, agressões físicas e verbais, incêndios contra propriedades privadas e ou colectivas (como as coutadas) são frequentes, sendo igualmente os desvios às normas sociais mais conhecidos e punidos de acordo ao direito consuetudinário.
Fruto da sua crença no poder dos defuntos e antepassados e sua irreligiosidade (muitos são ainda animistas embora proliferem as novas seitas de orientação cristã) os povos em referência têm uma grande crença no feitiço. Daí que acusações de feiticismo preenchem o dia-a-dia do soberano e das comunidades.
Entre as penalizações constam a simples censura, restituição de bens de terceiros (roubados ou danificados), indemnizações (pecuniárias e em espécie), castigos físicos consentidos, entre outros.
A autoridade do rei/soba é reforçada pelo animismo e pela ideia de feitiço. O rei/soba é tido como o detentor do mais forte feitiço, daí que para além de respeitado é igualmente temido, sendo as suas convocatórias, normalmente de comparência obrigatória. Os povos destas comunidades apesar de professarem algumas crenças religiosas (católica e protestantes) têm uma ligação muito forte a seus ancestrais e retornos a práticas animistas.
No esforço de conciliação entre o moderno e o tradicional, muitas vezes os reis/sobas encaminham determinados "casos" às autoridades políticas e judiciais, sobretudo casos de homicídios voluntários, evitando-se assim que seja executada a justiça por mãos próprias. As autoridades policiais locais (as mais próximas) têm sido igualmente várias vezes chamadas para dirimir querelas que os soberanos julgam poder fugir do seu controlo. Outras vezes, são os próprios cidadãos que recorrem ao direito positivo, sempre que julguem ineficazes os julgamentos comunitários.



Suporte:
1-http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Weber, consulta 05.02.09
2- VINTE E CINCO, Gabriel: Os Kibalas, Núcleo-Publicações Cristãs, Lda. Queluz, 1992

Texto publicado no Jornal Cultura ed. 11-24 set/18