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quarta-feira, agosto 27, 2008

A CITAÇÃO E A AFIRMAÇÃO NUM TÍTULO JORNALÍSTICO

Intitular um texto jornalístico, embora pareça de longe coisa fácil, não o é, sobretudo quando o grande chamariz para a leitura da matéria a que nos propomos escrever for a reprodução textual duma passagem do nosso entrevistado/interlocutor.

Em consequência da má utilização das regras jornalísticas, muitos confrades foram responsabilizados por afirmações que não souberam atribuir aos seus donos.

Sem que este texto precise se tornar num grande exercício reflexivo, avançarei alguns exemplos de Títulos que rotulam o Jornalista como sendo o produtor das afirmações. Antes vale lembrar que afirmações alheias ao jornalista, quando não precedidas de ante-título, devem, e sempre, ser colocadas entre aspas.

Ante-título: Afirma Domingos Kitumba
Título: JOÃO MANUEL ESTÁ DE RASTOS
ou sem ante-título
"JOÃO MANUEL ESTÁ DE RASTOS"
A afirmação de de um amigo de infância. Domingos Kitumba foi peremptório ao nosso jornal ao afirmar que "João Manuel está de rastos"...

Nesta senda, quero tomar como primeiro exemplo de afirmações mal atribuídas a um dos títulos do Jornal de Angola, edição on Line de 27 de Agosto de 2008.

Título: UNITA MANTÉM PROPÓSITO DE DIVIDIR OS ANGOLANOS
Lead: Jorge Valentim, dirigente histórico da UNITA, esteve ontem no Lobito com trabalhadores do Caminho-de-Ferro de Benguela e do Porto Comercial do Lobito…Jorge Valentim disse aos trabalhadores que “esta é a hora de demonstrarmos ao mundo que os angolanos querem união e a conjugação de esforços para o desenvolvimento do país, por isso vamos fazer uma escolha realista, olhando para o futuro”.
Jorge Valentim, no período da manhã, esteve no “Cine Imperium”, na cidade do Lobito, onde foi saudado por milhares de trabalhadores do CFB, tendo em seguida proferido um discurso no qual fez uma resenha cronológica de todos os acontecimentos políticos que culminaram com a ruptura, em 2007, com a actual direcção da UNITA, a quem acusou de não ter mudado os “seus propósitos de divisão e abuso dos angolanos”...
Lido o título sem os elementos que lhe seguem, ficaríamos com a sensação de uma afirmação do jornalista, com base em factos por si vividos e não uma reprodução de palavras proferidas por outrem.

Vejamos agora um outro caso retirado da página on line ANGONOTÍCIAS, dia 26/08/08.

Título: JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS APELA À PACIÊNCIA

Lead: O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, apelou hoje, no Huambo, às formações políticas que se preparam para o pleito eleitoral de cinco de Setembro, para que tenham “paciência e aceitem a vontade do povo”. Existem partidos políticos que encontram dificuldades em fazer passar a sua mensagem, alegando o facto de existir “intolerância e má vontade”, referiu José Eduardo...

Aqui, estamos perante a transmissão de um facto/discurso testemunhado. Diferente, não é? Cita-se o autor da afirmação (José Eduardo dos Santos) e o que faz/fez (apela/apelou).

Já aqui, ANGONOTÍCIAS 25/08/08,

Título: FALTA DE DEBATE EMPOBRECE CAMPANHA ELEITORAL EM ANGOLA
Lead: A pouco mais de uma semana das eleições legislativas em Angola, a campanha eleitoral continua a ser marcada pela falta de debate…
Esatamos perante a uma constatação do articulista com base em uma apreciação/leitura feita aos discursos políticos ao longo da campanha eleitoral.

Cada texto, tem normalmente um contexto e merece, por isso, um Título que não fuja ao contexto. “É preciso dar a César o que é de César” e ao jornalista o que é seu.
Portanto, se já escrevemos bem, vamos pois intitular melhor, para o bem do nosso jornalismo angolano!

Luciano Canhanga

2 comentários:

Anónimo disse...

Ora viva!

Orgulho-me das sempre interessantes observações que tendes publicado a respeito de alguns vícios de articulação jornalistica, o que demonstra pelo menos, para e para orgulho de uma minoria, que observas com rigor as vírgulas por que passa o bom jornalis(ta)mo.
Se o acto de aprender é uma virtude, o que se deve dizer da arte de ensinar?

Um abraço.
MD

Anónimo disse...

DR,
Antes de mais, as minhas sinceras desculpas por demorar tanto para responder as tuas preocupações.
Já redigi as facturas, assim que passar em casa do meu irmão, pego o carimbo "pago" e envio imediatamente.
Tenho recebido as tuas reflexões a que tenho apreciado imenso. Infelizmente não respondo atempadamente, mais por preguiça do que por outra coisa. Mas espero que isto não te iniba de enviar-me constantemente, pois, servem para dar-me mais ânimo na leitura e escrita e ajudar-me a diminuir a preguiça.
Quanto aos títulos, acho que alguns têm sido feito de forma prepositada. O que é mau para o nosso jornalismo. Contudo, há um debate entre a necessidade de se colocar aspas em afirmações nas quais se identifica plenamente o seu autor. Por exemplo:
Antetítulo: José Eduardo
Título: Não sou árbitro, sou jogador.
Acredita-se não haver a necessidade de se colocar aspas, visto estar bem patente que é o José Eduardo quem o disse.
Quanto a regra do sofrer e beneficiar, é claramente uma muleta a que nos apoiamos erroneamente por força do hábito. Grande artigo. É necessário sempre sermos recordados dessas nossas falhas.
Aproveitando a tua brecha gostaria de te expôr outra questão, que a meu ver é utilizada de forma equivocada: A reinauguração de estruturas.
Inauguração é o acto, cerimónia, com que pela primeira vez se patenteia ao público, ou se entrega ao uso deste, um monumento, um estabelecimento, uma instituição, etc.
Então, como é possível voltar a patentear pela primeira vez um monumento, um estabelecimento, uma instituição, etc?
Por lógica, não seria possível voltar a inaugurar algo que já havia sido inaugurado, o que significa reinaugurar.
Mas em Angola estamos constantemente a re-inaugurar. Será força de hábito, outra muleta ou mau uso da língua de Camões?
Um abraço e que tenhas um bom dia.

Hendrick Bumba